terça-feira, 17 de junho de 2008

Pausa Para Mais Um "Cita Brasil"


Este tanto mais importante que a maioria dos outros, pois que prevê-se (e com muita razão) o fim de algum tempo.

“Sobreviver vale subviver. E cansa. Muito curto-circuito, muito grilo: o jeito é desmanchar a instalação toda. E envelhecer todas as fotos.”
(Décio Pignatari, 22/11/72)

Cá entre nós, essa manjadíssima morte do tarot, a que não fica estanque standardiza-se no fatomorteemsi e pode vir a renascer-se, é assim manjadíssima por razões bastante a propósito. Olha que eu não sou muito de saber de coisas, hoje mesmo não soube se o homem tinha ou não pisado na lua. Mas ta-hí, e não é possível que só eu esteja vendo. Veja você, vejam. Tudo vindo abaixo, tudo diluído e decantado, tudo muito certo de recomeçar-se de uma vez que se abandone toda a esperança. Quem está aqui pra brincadeira? Quem é que se propõe a seguir pesado de tanta máscara & que dizer de todas essas negociatazinhas emocionais que nos tomam tanto tempo? "Muito curto-circuito, muito grilo". Falou e disse. Eu estou entregando os pontos, essa rua tem um olho cego lá no fim, e eu não sou cego, eu estou vendo. Espero que vocês também. Alguma coisa está terminando, Deus é bom e justo.

Pra breve, seguiremos com a fantabulosa saga do Capitão Express-o.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Capitão Express-o!


I.
em Janeiro de 1965, a Marvel Comics Group
publica as primeiras e únicas Aventuras do Capitão
Express-o, super-herói criado por Elliot B. Jones em
setembro de 1964 após um curioso incidente num bar

essa (no entretanto) é a nossa história

II.
23 de setembro 1964
Elliot B. Jones ilustrador da Marvel Comics
pede a conta. Paga a conta. Levanta, veste o casaco,
caminha até a porta, nisso dá por um sujeito
velho e carcomido rabiscando qualquer coisa
num pedaço de papel. Elliot se aproxima

o velho está fazendo palavras-cruzadas.
O tempo pára, a ronda do planeta pela metade.
Elliot rememora
outra ocasião, janeiro ou fevereiro
do mesmo ano – noutro bar
das redondezas, um velho rabiscando
qualquer coisa num pedaço de papel
e Elliot, deixando-se tomar completamente
pela vista do velho, faz que se trata dum grande
poeta. Longo tempo Elliot observa
pelas frestas entre as pessoas
à sua mesa, o grande poeta
desconhecido lavorando – este ser Abandono

esta mão detritada – longo tempo
Elliot só faz observar, mas do emborcamento
de seu terceiro scotch on the rocks eleva-se
a coragem para ir ter com o velho
Elliot não pretende saber
que tipo de asneira está pra despencar
de sua boca, mas é quase como
se qualquer coisa dentro armasse
um bote e Elliot entendesse, de um golpe
que sua situação é, de fato, desesperadora,
que não havia mais como ignorar o quão desesperadora
sua situação havia se tornado,
e que estava a poucos passos
da única pessoa que poderia
lhe apontar uma solução. E portanto ele foi

passadas largas até chegar à mesa
do velho (o velho estava no canto)
e antes que pudesse abrir a boca
seus olhos fizeram o caminho pedregoso
até o papel no qual
o velho rabiscava fazia horas:
palavras-cruzadas. O tempo parou,
a ronda do planeta pela metade.

O mais curioso disso tudo é que Elliot
B. Jones, apesar de não se lembrar
distintamente das feições do velho com quem
quase se aconselhara em janeiro ou fevereiro, estava seguro
de que não se tratava dum reencontro –
o velho de Setembro era outro
outras palavras que se cruzavam
num outro bar, o único elemento
inalterado num cordão de anedotas
insignificantes era ele mesmo, o que lhe
pareceu, de certa maneira, insuportável, e portanto ele

voltou para casa na noite de 23
de setembro de 1964, e depois de comer uma tigela de cereais
com leite (Jane deixava a mesa do café pronta antes de dormir),
resolveu parar de adiar
o suicídio que planejava
há meses e dar cabo de si próprio ali
mesmo (na cozinha)
antes do sol nascer. Coisa que não fez.
Muito ao invés, sentou-se à escrivaninha (no escritório) e criou

(aquilo que viria a se tornar) o Capitão Express-o.

Jane dormia profundo.

III.
essa é a nossa história
minha, sua
outra história
por contar

estamos epicamente vazios
e por contar

IV.
e agora, a bem da verdade
estou ruminando a dicção
questões de tonalidade, compasso
o ritmo – uma ciência possível do ritmo – ou
o próprio mito do ritmo, o que resiste
à brusca atomização dos homens
de jaleco, JORRA do Inconsciente
Coletivo representação
inteiramente autêntica que é algo como
Funcionários Públicos ou Dentistas
ou Advogados
ou Poetas

ou Jung

estive esparramado na cama
da minha mãe (cama de viúva) lendo Frank O'Hara
a América é realmente bastante grande
deve-se assuntá-la com tanto vigor
e o tempo inteiro?
sinto-me um pouco culpado
quando penso no final de
Nashville (it don't worry me!)
ou no poema Having a Coke With You
não são Soy Cuba ou
Vidas Secas ou João Cabral de Mello Neto
mas eu gosto de todos na verdade
eu gosto de todos & por que não gostar?
são todos muito bons
(menos o Bilac)
é preciso valorar o tempo inteiro
contornar, tornar senciente
francamente, estou um pouco entediado

(esse quarto é mal-assombrado
toda madrugada, lá pelas 3:00
dou um pinote e não consigo
mais pegar no sono)

gosto quando todas as partículas do dia
empreendem súbita aliança
e desenham teu rosto
(um rosto)

porque isso deve significar, em alguma instância,
que estou apaixonado
que é estar qualquer coisa
e estar qualquer coisa é sempre muito bom
até quando digo que estou um pouco entediado
isso não deve ser tomado por lamúria
ao contrário, estar qualquer coisa
é sempre muito bom (bravata) – por exemplo, eu não sou
uma luminária

Elliot B. Jones e sua esposa Jane
B. Jones tinham dois filhos:
respectivamente
Tom e Jerry

V.
Tom:
De todas as criações de meu FALECIDO FALECIDO FALECIDO FALECIDO FALECIDO pai, devo dizer que o Capitão Express-o é minha favorita. Sem sombra de dúvida. Sei que há personagens seus muito mais queridos pelo grande público, personagens que vingaram e se tornaram, no longo do tempo, como que peças-chave do Inconsciente Coletivo americano, tais como Drake, o Iconoclasta e a Menina Urso. Mas o meu favorito nunca deixou de ser o Capitão Express-o. A idéia de um super-herói cuja mera presença física inspira nos outros a compulsão de falar a verdade me parece, até hoje, muito esperta, e carrega em si um alto teor moralizante que não deve ser ignorado. É força reconhecer, para os padrões da época, bom, tratava-se de um construto vanguardista – refiro-me ao Capitão Express-o – por isso teve de ser engavetado antes mesmo do Segundo Volume. Vendeu pouquíssimo, foi realmente desastroso, não sei o número exato... terei de ver a respeito da tiragem, Jerry, lembra da tiragem? Quanto foi? Lembra?

Jerry:
Não.

Tom:
Hoje em dia, esse primeiro e único volume de As Aventuras do Capitão Express-o representa um rombo, um golfo impossível, um vero CANYON na própria existência de muitos colecionadores. Pra você ver. O mundo dá voltas. Um dia da caça, outro do caçador. Etc etera.

Jerry:
Etc etera.

Tom:
Isso. Etc etera.

VI.
Alienação!
Incomunicabilidade!
Angst!

terça-feira, 10 de junho de 2008

Amor Como o Nosso Foi Feito Pra Durar, III


baby tem os modos sonolentos
dum funcionário dos Correios



ele chama:

PRÓXIMO

como que de antemão decretando o próximo
distante como quem senta no mundo
esta tua condição; de próximo ninguém tem nada
(tamanho esplendor
por detrás da divisória)

de noite ele vem
com as mãos de córrego
me pilhar
até o último tostão
de mim; o jeito
é voltar pra casa
voando

ah, ele me põe louco
com seus modos sonolentos
de funcionário dos Correios

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Com a Palavra, o Exilado


Aqui em casa de minha mãe aportei faz alguns meses, e não foram numerosas, as ocasiões em que ousei me aventurar pelos caminhos dessa cidade hostil, bordejada de montanhas, pastos e alongadas estruturas que explodem em vigas expostas e retalhinhos de papel de coloração esverdeada, chamam-nas comumente árvores, mas tenho cá minhas suspeitas, de qualquer forma, no mais dos casos, minhas breves excursões ao dito “lado de fora” se limitaram, eu diria, espertamente, até a venda da esquina, presidida por um certo Seu Zacarias, com quem trato do arranjo das provisões, e a casa do advogado de minha mãe, com quem não me dou em absoluto, mas em cuja mansarda me encontro de vez em quando, não saberia explicar ao certo por quê, em verdade, Dr. Jasão é criatura das mais solícitas, não sei por que razão nutro tamanha antipatia por ele, tampouco sei dessa compulsão de visitá-lo pelo menos duas vezes por semana, de todo modo, é bom ver gente que não minha mãe, pelo menos duas vezes por semana, e na venda do Seu Zacarias, onde trato do arranjo de minhas provisões – minhas provisões – as de mamãe, ela as arranja por si só, não estamos a tratar de uma criatura inválida, mamãe não aparenta nem sente os anos que tem, ela está perfeitamente facultada a tratar do arranjo das próprias provisões, temos tratado bastante de não nos misturarmos, é tão fácil mesclar-se à mãe, especialmente nesse lugar hostil hostil e verde onde pouco ou quase nada há para se fazer que não prestar visitar inesperadas a pessoas que detestamos.

Brancura


lembranças não mando
que eu quero é me esquecer

sigo atrás do nada
que deixo; rastroseio
de tudo que sou

quero é mamar a brancura
dos espaços que esvazio

domingo, 8 de junho de 2008

Obrigado


sim, eu recebi suas
cartas
a mensagem
captada amado
mestre; tudo isto
fazendo peso cá
dentro de minha
algibeira
numa dentre tantas
aveludadas (por
dentro) algibeiras
de minh'
alma
(eu carrego) tudo
que tenho a dizer neste
momento depois
deste
carrilhão todo
de tempo é
obrigado
mas obrigado mesmo
viu
obrigado pela
atenção
obrigado pelo
tempo (despendido)
mas antes
mas antes
de qualquer outra coisa
obrigado
mas muito obrigado
mesmo
pelo carinho
e pela sincer/idade
(Deus, estou ficando velho)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

"Reds" e "Urbano" no Moviola


Dois poemas do "Synchronoscopio" (meu primeiro Gradiente, digo, livro, lançamento previsto para Agosto) subiram na última edição do Moviola. O convite foi feito pela querida Elis Galvão. Aqui o muito obrigado.

Joni


"Dora says: 'have children'
Mama and Betsy say: 'find yourself a charity
Help the needy and the crippled or put some time into ecology'
Well there's a wide wide world of noble causes
And lovely landscapes to discover
But all I really want to do right now
Is find another lover"
(Joni Mitchell, "Song for Sharon")

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Não Morar Mais Ali (06:56)


Tem um estreito de asfalto, quando a gente cruza, não é mais o mesmo. Isso pode acontecer a qualquer momento. A gente andando ou não. A vontade dum diário, uma qualquer conversão. Parar de fumar, descobrir o broto de brócolis. Sonhar com vizinhos atacados dum câncer e acordar quase chorando. Desistir de qualquer coisa, começar qualquer coisa, retomar qualquer coisa de desistido. Bem de manhã, estou escutando Simon & Garfunkel & Jards Macalé baixinho, que não estou só. A casa coalhada de gente. Como tantas outras, não é minha. Não essa. Uma outra será. Agora não. Isso pode acontecer a qualquer momento (não estar só; estar só). Todo mundo aqui tem o sono bem leve, o movimento dos barcos é um sopro quase nada. Minha cara, agora, nem quero – ver muito mais. Repeat: it took me four days to hitchhike from Saginaw, I've come to look for America. Não só eu. Todos, todos vieram procurar pel´América, somos todos nesse hino. Todos apinharam caravelas, todos detidos na alfândega o tempo de quase desconhecer o próprio fôlego. Normal. Praxe. Tem um estreito de asfalto que a gente cruza, cuidando de não perder o ritmo nem do ar em roda nem dos pés abaixo, cabeça erguida, olhar duro de vontade. Valises cheias de livros e mochilas abarrotadas de agasalhos. Tiramos retratos. Do que sentir falta. Tiramos retratos do que sentir falta. Uma porta, uma estampa, certa dobra da manta, manchas, uma estância que não é mais aqui. Eu que não sei se volto, eu que não sei bem ficar, só faço adivinhar o longe. Como que vislumbro. Como que sigo. Ao passo da miragem.