domingo, 25 de janeiro de 2009

Pinimbas Aparte...


De uns tempos para cá, peguei certa pinimba -- talvez algum horror -- de Clarice Lispector. Mas acabei de ler uma coisa bastante bonita dela, que reproduzo abaixo, não para sinalizar uma trégua -- minha guerra com Clarice é extremamente funcional --, antes para acenar a argúcia de todos os meus inimigos (a minha medida):

"Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes".
(de "A Descoberta do Mundo")

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Onde Arejar Sua Graça Numa Noite de Sábado?




(e que não role Carly Simon nesse Karaokê. Sou conhecido por puxar "Comin' Around Again" em mesa de bar, depois de umas e outras)

domingo, 11 de janeiro de 2009

Dezembros (Reescritura)


a todo o tempo
as coisas vêm

a um lume frio
zumbindo corredor fora

aos tantos cinemas
desta estação balnear

ex machina
(as coisas vêm)

infalivelmente aos fortes,
torres descosem

nuvens gordas de exílio;
um talho seco no céu

expediente duma aridez
incalculável

Presentação de Tudo (Curtíssima Temporada)


permitam-me, senhores, começar
com uma distinção
transparência,
invisibilidade
e inexistência

permitam-me, senhores,
evocar
o trino
da geladeira
(noite)
quando chegamos
pelos fundos,
a ama compacta

e sua vigília
vibrante, porém
contida
a um canto escuro
da cozinha, a vigília
da ama que zumba
ártica, a ama-motor
(acenando a possibilidade
de um lanche
o adiantado da hora
um copo de leite gelado
mas agora você
já tem bigodes de pêlo)

senhores, permitam-me
chamar a palácio
o Réveillon de 2005
a voz (moto-contínuo) da professora morta
(moto-contínuo) refratando-se
em muitas vozes
e uma tentativa desastrada
de afogamento
no Posto 10
aos treze anos de idade
tarde
de céu desfeito
Um Palácio (morte)
(ou a ficção palaciana
da morte)

senhores, senhores,
permitam-me

um imprevisto
um intervalo antes mesmo
de começar (o tempo dos outros
é serradura
), um equívoco
por parte do pessoal
da Iluminação
uma pequena mudança de planos
uma chamada telefônica às duas da manhã
uma emergência
sim, uma emergência qualquer
& a demanda
de muito mais voz
(eu não tenho palavras,
uma mesura,
só me restam palavras,
um floreio duro das mãos,
me sobram palavras,
ele se entrega)

Memória da Praia




(ontem eu cantei e bati palmas com o pessoal do Luísa Mandou um Beijo, na Sala Baden Powell, e foi bonito)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Pnin


"Deve dizer-se em favor de Laurence e Joan que dentro de algum tempo os dois começaram a apreciar Pnin no seu valor pniniano único, muito embora ele fosse dentro da casa mais uma alma mal-assombrada do que um inquilino. Fez alguma coisa fatal ao novo aquecedor do quarto e disse simplesmente que não tinha a menor importância porque a primavera não tardava. Tinha uma irritante mania de sair para o patamar e ali escovar assiduamente as roupas, batendo com a escova nos botões durante cinco minutos, pelo menos, todas as manhãs. Sofria de um caso de verdadeira paixão pela máquina de lavar de Joan. Embora proibido de aproximar-se dela, era de vez em quando apanhado em transgressão. Pondo de lado todo o decoro e cautela, jogava dentro dela tudo o que lhe estivesse ao alcance da mão, o lenço, as toalhas da cozinha, um montão de cuecas e camisas trazidas às escondidas de seu quarto, só pela alegria de ver pela janelinha o que pareciam intermináveis cambalhotas de golfinhos atacados de epilepsia".
("Pnin", Vladimir Nabokov)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Você Por Aqui


você me cruza
na rotunda
faço pressa
dos teus olhos
prestes
a vazar tinta
pelos meus
(isto não passa
sem documento
você nunca
teve avalanches
você não tem
avalanches nunca), (e
que direito
tenho) eu
-- receio --
bastante esporado
faço pressa
começa
às Três
não tão em ponto
mas convenhamos
essa sessão
sou eu
sozinho

nunca precisei de um amante,
me bastava um pianista contratado

2008: Estertores do Além-Túmulo


O folclórico ano de dois mil e oito chega ao fim. Uma trouxa momentosa de meses. Agora, olhando para trás, as coisas começam a ensaiar uma clareza: a maior parte das lembranças me vem com certo ar de parem as rotativas, isto está acontecendo!, e me impressiona fundo que tudo esteja diferente, transfigurado, quase, em torno de qualquer coisa muito igual. Claro, os elementos da equação não se alteraram de todo, eu ainda só tenho isso aqui para lavrar. E eu poderia tecer críticas as mais impiedosas quanto a meu próprio desempenho nesse esquema. Mas acho que não é o caso. Acho que estou satisfeito. Estou na medida do possível. O momento emergencial está para, e eu ainda muito lento, especulativo, tentando – com muita força – aprender o que quer que seja. Fim de contas, isto tudo é de uma fragilidade absurda: o que se dá, o que está se dando neste exato instante. Então, enquanto ponho este balanço abaixo, não me escapa o quão exato foi o ano de dois mil e oito. Os outros, os precedentes, comparados com este, me fazem uma certa impressão de gosma. De indistinção. Agora não. Qualquer coisa como um rumo começou a se traçar, e eu honestamente feliz de estar seguindo algum caminho (e basta passar dez minutos na minha companhia para perceber que eu tropeço, bastante, o tempo inteiro).

O que segue é um sujeito confuso, caudaloso e, no mais dos casos, um tanto leviano. Começo a acreditar que escrevo por pura falta de senso prático. Outro dia quase me arrisquei num axioma: poesia (expressão artística) é tudo aquilo que não se resolve. Contraparte do bom e velho o que não tem remédio, remediado está. Tudo que não sei dizer o que é, toda a estranheza, tudo aquilo que não permite imparcialidade.

As gentes são uma maravilha crassa. Um embrulho no meu estômago de avestruz. Perdi as contas de quem vai, de quem vem, mas gosto de acreditar que estive agente. E nos últimos meses, até prestar alguma atenção eu prestei. Sim, nestes últimos meses as pessoas me falaram coisas (veja você). Elas sentaram e conversaram comigo e me explicaram. Fiz notas num bloco. Depois eu mostro. Prometo. Prometo.

Dois mil e oito passa sem panegíricos. No laudo pericial, nenhuma gracinha. Causas naturais. Foi lá e pimba, empacotou. Um suspiro ao de leve, um acomodar-se na velha poltrona bege, cálice de vinho do porto nas mãos. Imagino que a tranca é uma prece dita muito baixo, sem solenidade, uma emoção (!) sincera. E que 2009 – sim, leitor, é contigo mesmo – seja um ano de sacações incríveis e ação descarada. Foco febril e noitadas sensacionais. Alegria besta e amores errados. E dinheiro. É, tem isso também.