Se penso meu próprio discurso poético como gadget de tornar a experiência do mundo una, apresso-me em dizer sempre, logo em seguida, que meu maior interesse reside nos desastres da máquina. Não que seu sucesso me seja indiferente. Há inspiração e a vontade de cantar – há afeto, creio eu, que ultrapassa o campo do cenográfico. Os brevíssimos desvelamentos em linguagem que hoje em dia fazem às vezes das grandes epifanias de ordem transcendental. Mas é preciso entender o risco, isso nem sempre é possível; desiludir-se da magia da linguagem, e estar real; entender, de uma vez por todas (isso me digo) que não há fórmula, nem oração, nem nada que restitua à linguagem sua translucidez. O mundo como complexa rede de relações, o que se ambiciona e o que se frustra, acima de tudo, o reino impenetrável do que não se prevê. Tudo isso está contido num dia, e meu poema circunscrito nele. O dia está contido no mundo que está contido no tempo; meu poema circunscrito em ambos. Tomo de empréstimo um pedaço do mundo e acredito que ele contém qualquer coisa de significante, urgente, mensagem. Para quem? Não, não é possível que a linguagem torne a significar com a mesma justeza teogônica de outrora, a História não o permite. Como validar essa impossibilidade, extrair dela um projeto, uma direção, um norte?
O herói morreu, vida longa ao herói.
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