sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Marcinha


Marcinha foi a única do grupo que não se casou. Véu, vestido, grinalda, comunhão de bens; veja, não tem porquê. Marcinha abominava o ritual. Mania estúpida que as pessoas têm de ritualizar qualquer coisa, ela dizia. Vivia dizendo, a Marcinha: vocês (a civilização ocidental) ritualizam até ida à farmácia. Merda de mania estúpida. Marcinha sonhava uma nova leva de homens esplêndidos que nada ritualizariam, indo pela vida fora com o visco e a serenidade do atum, sem nenhuma necessidade de italicizar as coisas da vida. O rito de passagem perderia finalmente seu estatuto, existir em si seria passagem, nunca a ansiedade do que foi, do que é, do que virá (viria) a ser. A palavra “devir”, carreada pela voz de Marcinha, ganhava profundezas e cores que nós, as outras, não conhecíamos; a palavra escancarada à nossa frente tal e qual o céu de janeiro, e tudo a um só tempo muito sério, duma seriedade terrível, estúpida, esmagadora. Marcinha dizia com freqüência: não sei por que diabos estou fazendo Comunicação Social, o lance mesmo é virar monja.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ismar Tirelli Neto aproxima a melancolia do humor, e o humor da melancolia, como nenhum escritor brasileiro vestido de fardão consegue.

Esse vai prás cabeças.


Sérgio Benatti