domingo, 5 de julho de 2009

autônomo


não tenho os papéis. Como profissional autônomo,
é dever manter-me aberto e espacioso
entre os quatro tubarões desta espera. Que decidam minha vida:
por exemplo, uma transferência
(haja vista o placar em que se corre)
parecia-lhes fora de questão. Ao fim e ao cabo.
Oferecem-me o último turno. E aceito,
não me sinto tão à mercê. Faz três
madrugadas neste escritório branco
tenho medo pela primeira vez;
a estridência branca das luzes
& os canos que continuam teto fora. Não tenho
os belos chamamentos para fixar
coisa alguma. Será com esta mesma impaciência.
Tanto ódio haverá constelando
dentro de mim que me permitirei o trato
com as mais velhas imagens. Aquela sombra,
por exemplo, fará metástase.
Será com este mesmo inverno.
Tomarei vistas do céu quando
de alguma alva burra
à roda de todas as fitas em Preto e Branco
carceradas nas tevês da cidade; tanto ódio
haverá. A cidade – ao fim e ao cabo – a mesma.
Pretenderei a ela e quando tornar
à razão de meus amigos mais modelares
direi que o amor e o trabalho me renderam,
que nunca jogarei bombas na fachada do Ministério da Saúde,
que não encontro mais porquê em tantos die-ins.
Continuarei mentindo para os médicos
e adiando as segundas vias

2 comentários:

leonardo marona disse...

Ismar, você me desculpe a tietagem, mas acho que este é o melhor poema da primeira década de 2009, uma síntese exata, um susto a cada frase, e um conforto. inacreditável que, de vez em quando, nos esbarremos nas ruas tão carregadas de Laranjeiras. um abraço do Marona.

leonardo marona disse...

o que eu quis dizer, desculpe a ansiedade, mas é que li de novo e me esqueci de me explicar devidamente, que é a melhor coisa que li sobre a primeira década do século XXI.