sexta-feira, 27 de julho de 2007

14:00


Supersonismo. Eu estava tomando um chope na Taberna do Leme, lendo “Os Últimos Dias de Paupéria”, e de repente-não mais-que-de-repente um som como nunca ouvi antes, parecia avião perto demais, longo demais, e as coisas como andam pelos ares hoje em dia – bom, tentei localizar a matriz da balbúrdia, mas só via gente apontando. Tentei mirar na direção, ou direções, indicada, ou indicadas, não vi nada, em parte porque o toldo me impedia, mas é recorrência, isso, forçoso admitir. Os amigos sempre dizem: “Veja, um enxame de abelhas africanas!”, e eu: “Onde? Onde?”. Quando dou acordo, se chego a tanto, já passou. Eu nunca vejo nada.
Um jato que me varejou as idéias hoje, enquanto vadiava pela Orla: das duas uma: doze ou sessenta e sete, primavera de dentro ou cortejo de outono, porque, convenhamos, quem pode se dar ao luxo de ficar vadiando pela Orla às treze horas atrás dum boteco amigável? Mas. Nem tanto ao céu nem tanto ao mar, fato é que estou em férias, e já saldei o tributo de uma semana acamado, paracetamol, vitamina C e rios caudolosos de Kleenex. Questão de decência passar a primeira semana de férias com o bigode cheirando a Vick Vaporub. Mas voltando. É esquisito. Dou-me a luxos com os quais não me dou, em absoluto. Por exemplo, eu poderia estar lendo Kierkegaard. Todo a gente poderia estar lendo Kierkegaard agora. Rapaz, seria uma festa.
(Estou esperando dois telefonemas. Um é publicável. Outro não. Não levo muita fé em nenhum. Hoje escrevi carta alucinada ao pai, e em algum momento disse: não levo muita fé em muita coisa). Pára um caminhão do Guaraná Antárctica bem na frente do relógio, não vejo mais horas nem o frio que faz, fico som sono.
(Saliente-se: o espelho no banheiro masculino da Taberna do Leme é tão alto que tive que me pôr em pontas de pés para ajeitar a juba. Denunciem!)

terça-feira, 24 de julho de 2007

01:08


Estranho. O sujeito me ia depenando a cara, e eu percebendo que nos últimos anos, qualquer coisa se dava muito quieta e desapercebida debaixo daquela cerração toda: eu lembrava mais e mais o pai. Ninguém diz. Veio (n)uma abstração de rodoviárias desérticas, rampas em espiral. Se eu queria ver o sol nascer – a primeira vez. Declinando, ao que me lembro, ao que me consta, polidamente, em seguida tomando o rumo dum quarto escuro e frio e totalmente desconhecido. Essa sensação eu reprisei, enquanto saía pra rua, era o Largo São Francisco. Nessa barbearia que há lá pelas adjacências eles ainda usam as cadeironas altas, e a antiguidade da coisa sempre me acalma os nervos, não sei ao certo o motivo. Cruzei o Largo na direção do sobrado onde outro moço antigo à marca do barbiturismo rodava suas fotocopiadoras. Tinha lá deixado o “Introdução ao Cinema Brasileiro” da Isabela, logo antes de ir fazer a barba. Lembro de dizer: vou ali fazer a barba, volto em quinze minutos, o senhor encaderna? Provável que estivesse embutida nisso certa vontade de atiçar a curiosidade do moço. Que ele perguntasse se eu ia tirar tudo, quanto tempo de vida tinha aquele monumento, todos os comos e porquês e ainda algumas impressões gerais sobre o que determina o rosto de um homem. Parte da graça dessas lascas de Rio Antigo é que as regras do jogo são bem diversas, e eu acabei ficando sem perguntas, só uma afirmação que, de tão casual, raiava o dispensável. Agora, ganhando o segundo pavimento daquela construção falida, tive um medo bobo de não ser mais quem tinha sido na vista do moço (na minha própria também), e fantasiei rapidamente que ele me negava a cópia, confiscava as duas Introduções, e me enxotava dali às vassouradas, embusteiro, safado, ladrão, sem-vergonha, e o que eu diria à Bela então? Óbvio que nada disso se passou, mas também não foi em branca nuvem, desci as escadas artilhado de mais duas certezas: que eu parecia mais moço e que de agora em diante meu rosto ficaria bem mais fresco (realmente, o primeiro golpe de vento num queixo melado de loção pós-barba configura prazer quase erótico). Agora me veio uma frase esquisita: “alguns dias são passado”. Não deixa de ser, isso aconteceu há menos de uma semana, e é acontecido, sem negação possível, como todo o resto. Todo mundo faz aniversário, de nascido e de não. Já é a flora facial ameaçando recrudescer, o sujinho que em inglês costuma se dizer “five o´clock shadow”, propriedade inconteste dos paladinos moralmente ambíguos das fitas americanas dos anos 70. Choveu o dia inteiro e acabei de escutar que é hora de você achar o trem e não sentir pavor dos ratos soltos na casa, sua casa (é Clube da Esquina). Lembrando mais e mais o pai, ninguém diz. Uma tia que disse: agora você está de cara para o mundo, o que der e vier. Fico pensando. O que der e vier. Mesmo o reencontro dolorido no botequim de Botafogo. Um bendizer, um maldizer, um dizer de qualquer coisa, que anda tão difícil escutar os outros. Quando penso que essas canções, o pai pode ter cantado pra mãe nos idos d´eu não ter inda advindo, bate uma aflição tão grande. Alguns dias são passado, alguns anos também.