sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Ansiedades Quanto a uma Academia


(recitando no FestVaia, sábado passado)
(foto de Alice Sant´Anna)


I.

inscrevo-me no plano trimestral
atividades aquáticas
que implicam em duas sessões de hidroginástica
e uma de natação
por semana
durante (o que se obvia) três meses

II.

das turmas de natação
(me entregam o demonstrativo na secretaria)
escolho Medo D´Água
todas as quartas pela manhã
com o professor Tomás
a quem já ouvi chamarem Tômas
o que me constrange
não sei como me dirigir a ele
professor?

III.

a turma Medo D´Água
todas as quartas pela manhã
consiste de mim e de Ada
gaúcha septuagenária
fóbica
cujo desempenho
cotejado com o meu
deixa muito a desejar
(pareço dominar
o conceito de horizontalidade
melhor que Ada)

IV.

Professor Tomás
ou Tômas
me faz pôr os pés de pato
embaixo d´água
pergunta quanto calço
respondo quarenta
na verdade trinta e nove
mas meus pés são gorduchos

V.

tenho medo de tirar os óculos
porque eles fazem um vácuo incômodo
em torno dos olhos
tenho medo de tirá-los
e os olhos juntos
caindo à beira da piscina
ou na própria piscina
assustando as criancinhas que aguardam
perto do chuveiro
e as senhoras da hidroginástica
(Ada desmaiando)
eu nunca mais seria qualquer outra
coisa que não o sujeito cujos olhos
saltaram das órbitas à beira da piscina
sugados pelo vácuo que os óculos fazem
em torno dos olhos
ao serem retirados
meus óculos fabricados na China

VI.

metido nessa sunga insensata
tamanho G
(sinto que decepcionei os funcionários
da loja de artigos esportivos
meu excesso de corpo não se nota assim
à primeira vista
há táticas como se sabe
tons escuros listas verticais)
os óculos que puxam meus olhos
e a touca que me comprime as idéias
pergunto ao professor se ela deve cobrir
também as orelhas
o que já me parece excessivo
Tomás (ou Tômas) recomenda que eu use
um tampão
isso também me parece excessivo

VII.

um lance de escadas aparta
o parque aquático
do vestiário masculino
tenho de ganhar
essa distância
subjugá-la
metido numa insensata sunga
tamanho G
às mãos a touca e óculos
pendendo úmidos
não tenho roupão
o vestiário masculino me apavora
é possível que no longo desse poema
eu não tenha intentado tratar
de outra coisa que não
meu pavor meu absoluto pavor
ao vestiário masculino
coisa que até agora não fiz

VIII.

talvez esse poema seja sobre a nudez
(modalidade do corpo
que não costumo praticar
com muita freqüência)
ou sobre todas as modalidades
do corpo que não costumo praticar
com muita freqüência
todo esse potencial do corpo
que não se realiza
de inopino as mãos do professor Tômas
ou Tomás
em cima de mim
embaixo de mim
enfio minha cabeça n´água
já que não estou tendo uma experiência erótica
não absolutamente não estou

IX.

o servente
no vestiário masculino
me olha
de alcatéia
não posso lhe pedir que pare
que pare imediatamente com isso
porque provavelmente não é o caso
estou imaginando coisas
estou sempre imaginando coisas
o servente no vestiário masculino
não me olha de alcatéia
não absolutamente não me olha
(por que um? por que outro?)
mas é com muita consciência
que opto por não tirar a sunga
ao me enxugar
(na rua a marca d´água
na bermuda)

X.

bom trabalho Ismael!
meu nome é Ismar

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Samba


tem dó maior
que haver

tanta rosa sem entrega
nesse vasto mar de chão?

tem não doutor
tem não

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Deu no Ibrahim



O amigo Felipe Sholl foi a cocada da Berninale, arrebatando o cobiçado Teddy e mais três mil merréuros por seu curta-metragem “Tá”, rodado integralmente no banheiro da ECO (UFRJ). Aqui os parabéns bem atrasados a esse ilustre expoente da turma do funil que fez a cabeça dos chucrutes, acompanhado dum beijo casto no coração.

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Ciça Giannetti está com parangolé marcado para o dia 27 lá no Pista 3 (São João Batista, 14) – a festa se chama “Hey Ladies!”, e será a primeira empreitada do Grupo Matriz direcionada ao público GLS, que também curte outros tipos de som que não bate-estaca, funk, tuntchituntchi e análogos. Vai dar o que falar, disso damos fé.

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Já dia 29, quem pode faz a ponte-aérea e confere em Sampa a estréia de “Aos Ossos Que Tanto Doem No Inverno”, peça do poeta Sergio Mello. Infelizmente não poderei comparecer porque, como é bem sabido, sou um falido. Mas quem estiver por lá que fique esperto.

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Daqui a pouco a febre do MinC passa. E a próxima peste, qual será?

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Paulão, cadê os “Balé” tudo que tu prometeu? O público é voraz. (Saudades idem, porra).

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Abraço grandão na Maria do mellonspirals.blogspot.com, que me enviou o email mais fofo do mundo há dias atrás e eu ainda não tive tempo de responder. Dessas coisas que a gente lê e pensa: pois é, vale a pena seguir escrevendo. Mas aguarde resposta direita pra breve, é promessa.

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Tiago Santos Lima arrasando como sempre. Leiam esse sujeito, pra ontem.

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E pra fechar: eu, Lilica e mais uma pá de gente recitando no FestiVaia nesse sábado, dia 23. Isso será na Baratos da Ribeiro, dos sebos mais bacanas da cidade (Barata Ribeiro, 354, Loja D), a partir das 16:00. A entrada é 0-800, o lugar é ótimo, e depois a gente toma umas e outras e fala da vida, combinado? (Passarinho contou que o Paulo H. Britto talvez apareça. Vou precisar de apoio moral. Muito.)

Obituário





Robbe-Grillet morreu. Que nem o romance.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Suspensão


te escrevo do domingo
em que virei balão
(segundo as escrituras
não tem dia melhor)

zarpo da Voluntários
e vou subindo ao meio do mundo
que é onde me aboleto
e espero a montanha passar

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Arquitextura


I.

Herr Heidegger constrói um chalé
para o Ser
em Todtnauberg, às franjas
da Floresta Negra

uma plaqueta encima a porta principal
vai lá escrito: Linguagem

hoje virou museu
franqueado à visitação pública seis dias
por semana (às segundas fecha pra limpeza)

II.

questões acerca da morada do Ser:
quantos andares?
quantos cômodos?
tem água encanada?
aquecimento central?
o pé-direito, quanto mede?

III.

casa é maquete do mundo, casa é o reticulado
absurdo do mundo todo
espremido tentando caber na avenida, casa é o mundo
que se explica, ensaio geral do que vai lá fora
na avenida nada tem o seu lugar

sermos debaixo
do cálculo desse teto
e da desrazão do céu
(o direito ao cálculo desse teto
e à desrazão do céu, há que defendê-lo
unhas e dentes)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Marcinha


Marcinha foi a única do grupo que não se casou. Véu, vestido, grinalda, comunhão de bens; veja, não tem porquê. Marcinha abominava o ritual. Mania estúpida que as pessoas têm de ritualizar qualquer coisa, ela dizia. Vivia dizendo, a Marcinha: vocês (a civilização ocidental) ritualizam até ida à farmácia. Merda de mania estúpida. Marcinha sonhava uma nova leva de homens esplêndidos que nada ritualizariam, indo pela vida fora com o visco e a serenidade do atum, sem nenhuma necessidade de italicizar as coisas da vida. O rito de passagem perderia finalmente seu estatuto, existir em si seria passagem, nunca a ansiedade do que foi, do que é, do que virá (viria) a ser. A palavra “devir”, carreada pela voz de Marcinha, ganhava profundezas e cores que nós, as outras, não conhecíamos; a palavra escancarada à nossa frente tal e qual o céu de janeiro, e tudo a um só tempo muito sério, duma seriedade terrível, estúpida, esmagadora. Marcinha dizia com freqüência: não sei por que diabos estou fazendo Comunicação Social, o lance mesmo é virar monja.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Dorsal


"O universo é infinito e as pessoas não prestam".
(Antonio Sobral)