segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Eu e Minha Analista Numa Ilha Deserta



Evito dizer certas coisas à Dra. Janice porque, depois de tantos anos de tratamento, já não me parece direito demonstrar certeza nem do pouco que tenho certeza. Certamente, nesse estágio de nosso relacionamento, afirmar qualquer coisa – sim, qualquer coisa – equivaleria a interromper o mais delicado foxtrote do Universo e sair enfiando a mão por dentro da saia de minha parceira, um faux pas agigantado a proporções atômicas, impensável, absolutamente impensável que depois de tantos anos de intenso convívio (3 sessões semanais), criamos, afinal, nossa própria Terra do Nunca Semântica, conseguimos uma codificação tão própria, tão inchada de ambivalências, que, mesmo depois desse tempo todo, Dra. Janice ainda não sabe de meus (maus) hábitos etílicos, nem eu faço muita idéia de que linha ela segue (por exclusão – Reich não, Lacan idem – chego à hipótese de Freud com uma pitada de Jung aqui e acolá), o que acontece então, e com certa freqüência, é ir-me tateando no longo de nossos encontros até dar no mais fino estado de abstração mental (não sei se existe outra espécie de abstração – espiritual, talvez? desenvolver), fico epifânico, chego a incorrer linguisticamente em dialetos extintos, depois caio no chão e fico lá inerte por alguns instantes, sacudido vez ou outra por espasmos, e em tornando a mim, bom filho que sou, olho para o lado e descubro Dra. Janice imóvel em sua poltrona, calculo que se manteve imóvel durante todo o acontecido (que controle!), e ela me parece toda uma ambiência moralizante e reta, consumida pela maciez de sua poltrona de couro, vista entre as patas da raposa empalhada sobre a mesinha de centro, não há nada a fazer senão erguer-me, apertar sua mão, e dar-lhe as devidas congratulações, louvando-lhe a força e a seriedade em seu trato comigo, seu trato comigo de tantos e tantos anos, e então ela diz que estamos fazendo um ótimo trabalho, todo esse tempo, um ótimo trabalho mesmo, um progresso verdadeiramente arrebatador, e ela sorri e pisca o olho direito, e eu sorrio de volta piscando o olho esquerdo, marchamos lenta porém inexoravelmente aos limites do símbolo.

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