terça-feira, 24 de julho de 2007

01:08


Estranho. O sujeito me ia depenando a cara, e eu percebendo que nos últimos anos, qualquer coisa se dava muito quieta e desapercebida debaixo daquela cerração toda: eu lembrava mais e mais o pai. Ninguém diz. Veio (n)uma abstração de rodoviárias desérticas, rampas em espiral. Se eu queria ver o sol nascer – a primeira vez. Declinando, ao que me lembro, ao que me consta, polidamente, em seguida tomando o rumo dum quarto escuro e frio e totalmente desconhecido. Essa sensação eu reprisei, enquanto saía pra rua, era o Largo São Francisco. Nessa barbearia que há lá pelas adjacências eles ainda usam as cadeironas altas, e a antiguidade da coisa sempre me acalma os nervos, não sei ao certo o motivo. Cruzei o Largo na direção do sobrado onde outro moço antigo à marca do barbiturismo rodava suas fotocopiadoras. Tinha lá deixado o “Introdução ao Cinema Brasileiro” da Isabela, logo antes de ir fazer a barba. Lembro de dizer: vou ali fazer a barba, volto em quinze minutos, o senhor encaderna? Provável que estivesse embutida nisso certa vontade de atiçar a curiosidade do moço. Que ele perguntasse se eu ia tirar tudo, quanto tempo de vida tinha aquele monumento, todos os comos e porquês e ainda algumas impressões gerais sobre o que determina o rosto de um homem. Parte da graça dessas lascas de Rio Antigo é que as regras do jogo são bem diversas, e eu acabei ficando sem perguntas, só uma afirmação que, de tão casual, raiava o dispensável. Agora, ganhando o segundo pavimento daquela construção falida, tive um medo bobo de não ser mais quem tinha sido na vista do moço (na minha própria também), e fantasiei rapidamente que ele me negava a cópia, confiscava as duas Introduções, e me enxotava dali às vassouradas, embusteiro, safado, ladrão, sem-vergonha, e o que eu diria à Bela então? Óbvio que nada disso se passou, mas também não foi em branca nuvem, desci as escadas artilhado de mais duas certezas: que eu parecia mais moço e que de agora em diante meu rosto ficaria bem mais fresco (realmente, o primeiro golpe de vento num queixo melado de loção pós-barba configura prazer quase erótico). Agora me veio uma frase esquisita: “alguns dias são passado”. Não deixa de ser, isso aconteceu há menos de uma semana, e é acontecido, sem negação possível, como todo o resto. Todo mundo faz aniversário, de nascido e de não. Já é a flora facial ameaçando recrudescer, o sujinho que em inglês costuma se dizer “five o´clock shadow”, propriedade inconteste dos paladinos moralmente ambíguos das fitas americanas dos anos 70. Choveu o dia inteiro e acabei de escutar que é hora de você achar o trem e não sentir pavor dos ratos soltos na casa, sua casa (é Clube da Esquina). Lembrando mais e mais o pai, ninguém diz. Uma tia que disse: agora você está de cara para o mundo, o que der e vier. Fico pensando. O que der e vier. Mesmo o reencontro dolorido no botequim de Botafogo. Um bendizer, um maldizer, um dizer de qualquer coisa, que anda tão difícil escutar os outros. Quando penso que essas canções, o pai pode ter cantado pra mãe nos idos d´eu não ter inda advindo, bate uma aflição tão grande. Alguns dias são passado, alguns anos também.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não seria presunção achar que o moço-que-rodava-suas-fotocopiadoras fosse o mínimo se quer interessado e curioso? E se talvez já soubesse? Poderia ter um esquema armado com o barbeiro pela troca de informações sobre os clientes. E afinal não seria mal se te expulssasse a vassouradas, até 'um homem muito velho com umas asas enormes' de Garcia Marquez foi. Ah, aquele sim era um anjo. Mas e então, cortou toda a barba?