domingo, 16 de novembro de 2008
O Pôster de Vasarely: Um Mistério
para Isabela Mota
quadro. Olho pela janela do quarto
de Isabela e meu corpo é denso, deslocado
de um pé ao outro. Funda-se.
A xícara de café sobre o parapeito.
Pareço aplicado. A canção acaba há
horas, a canção se aplica, um visco
se pega aos lados da garganta é o que
te resta da canção. A meu lado
um violão de aspecto bronquítico
se escora contra uma quina. Uma quina
branca. Lá vão meus olhos atarraxados
na calçada mosaico imprestável.
Estamos a poucos metros. Uma coisa
chã. Uma coisa rés. Nesta pasta um pôster
de Vasarely cuidadosamente dobrado ao meio,
pelo qual agradeço, como de hábito,
um tanto derrapando-me. Isabela ruiva conta
que em dias nublados a Jeune Femme En Chemise
à porta de seu quarto como um
marimbondo se esverdeia um pouco mais &
em dias de sol a Jeune Femme En Chemise
à porta do quarto de Isabela como
um marimbondo alça o canto
oculto do lábio, sorri, talvez por ter
recebido boas novas de um médico
barbudo & monoculado. Isabela
ruiva me faz presente dum pôster
de Vasarely – é quarto novembro quente
calçada pasta café violão livros
abertos sobre a cama
de Isabela – não será este o poema
pelo qual esperei minha vida inteira?
Vamos sempre constatando
que nada rufou. Neste
entroncamento, um pôster de Vasarely
cuidadosamente dobrado ao meio. O que dizer,
minha irmã, por que dizê-lo?
Desdigamos. Não somos espiões.
Não há filme nesta câmara. Podemos supor
com alguma segurança que algo de muito
central acaba de nos acontecer,
enquanto você se ocupa em fazer
as malas – algo de muito central,
onde acidentamos – para logo depois
o telefone soar seu apito
de UTI, e uma voz metálica
nos passa uma senha e um endereço nos
arredores da cidade. Sim, talvez
seja este o poema que vim escrevendo
minha vida inteira
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