segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O Convidado Inviável


"A nítida sensação de que eu pairava sobre aquilo tudo. Desdobrado em evoluções incríveis (mesmo que imperfeitas) e apartes espirituosos. Perfeito domínio do palanque. Coisas que a gente vai perdendo em ganhar vergonha na cara. Trata-se duma vida dupla, afinal. E agora a vontade de união – de levar uma vida minimamente conjugada – começa a repontar, faz com que os olhos passem raspando e se preguem no chão felpudo. Bolino com o microfone à frente; sempre o mau-contato. Uma matilha de jovens não-empresariados. Falando verdade, uma matilha de jovens não-empresariados emblema bem pouco no grande esquema das coisas. Mas há um agravante (como se isso tudo já não bastasse). Mesmo em piloto-automático, eles têm extensões visíveis. Instrumentos, algo que mostrar. São teclas, cordas, tum-tuns. Objetos. De repente estou muito sozinho com meu instrumento embutido, tanjo tão mal esse bicho, não consigo integrá-lo. Torná-lo parte desse desenho teso e bem-amarrado. Minha voz é um convidado inviável, subido do inferno para avacalhar com um civilizado debate acerca dos rumos do pop. Não suporto mais sua evidência."

(trecho de "Por que não sou músico", texto que estou terminando de jambrar para um projeto colectivo bem bacana sobre o qual falarei mais em seguida. Bem como outras tantas novidades.)

Um comentário:

Leonardo Villa-Forte disse...

Muito bom o texto.
Fiquei pensando: será mais difícil para quem tem vergonha na cara perder essa vergonha, ou para quem não tem vergonha na cara ganhar essa vergonha?
Leonardo