"- Você acredita nessas coisas?
- Que coisas?
- Essas coisas.
- Deus?
- E correlatos.
- Nem mais nem menos do que em todo o resto.
- Você pensou demais antes de responder.
- É costume.
- No batismo, sabe, dizem que o carimbo de Deus fica na sua testa, não sai nunca mais. Quando eu ouvi isso pela primeira vez, eu não tinha nem onze anos, mas quando minha avó Benvinda me disse isso pela primeira vez, sei lá, eu achei aquilo tudo tão agressivo, isso de ter um carimbo que não saía da minha testa nunca mais, em suma, ficou uma impressão tão funda e desagradável que eu comecei a lavar a testa com detergente antes de dormir. Isso porque as propagandas de detergente me fascinavam naquela época. As de sabonete eram suaves demais, com mulheres compridas saindo do box e se enroscando em roupões felpudos, e as flores e as cortinas balançando e tudo o mais. As de detergente não – eram duras, e sempre iam naquela base do nenhuma sujeira pode com este excepcional produto. Eram mais bélicas, as propagandas de detergente, mais... totais, não sei, era essa a impressão que eu tinha. Digo, se o caso era me livrar duma mancha desse naipe, eu só podia recorrer a um detergente, sabe, um desses que prometiam dar cabo de toda e qualquer impureza. Fato é que eu ficava no meu quarto, esperava meus pais se recolherem e descia para a cozinha na ponta dos pés, pegava o detergente e ficava esfregando minha testa com a bucha. Isso durou pouco, porque eu ficava com a testa toda esfolada, e as pessoas começaram a fazer perguntas, o que era de se esperar.
- E o que você respondeu?
- Não lembro agora, mas nada que ver com a mancha. Chegaram a me levar num alergista."
(do conto "O Homem Santo de Jodhpur")
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