05/10/05
Uma fórmula: comedimento e coração.
06/10/05
O que dever aos meus contemporâneos:
1. O projeto de uma literatura que não passe sem a percepção direta, mas que atue majoritariamente como undercurrent.
2. Certa inconsistência estilística.
3. Vastíssima ignorância.
4. Preguiça.
5. Ansiedade.
Ilustro: estou na frente da Biblioteca Nacional, e estou completamente apavorado.
***
Súbita necessidade de sonhar com estrondo ou algo maior.
12/10/05
Que é o destino de todo o carinho – a repetição.
13/10/05
Penso nele e isso vai dar numa estranha sensação de espaço dentro, frio acre que culmina como que numa contração. E na esteira desse cordão de fatos físicos, a certeza de ter um coração, marretando grosso, talvez presidindo esse espaço que se tenta dobrar sobre si mesmo.
A mão espalmada da Lua sobre a Lagoa. É pena que o Cortázar não tenha fabulado umas Instruções para Esquecer.
14/10/05
G. diz que sou anacrônico até dando bom dia.
18/10/05
Me dou o seguinte conselho no ponto de ônibus: não fala, homem. Volteia, gira, circula, mas não diz: solidão. É só um mediador entre você mesmo e o estado que corre. Curto-circuite a palavra, a palavra em si. Dela, diga uma presença, uma coisa. É fazer magia negra, dizer só: solidão, e fica por isso mesmo. Diga dela. Faça um verbete. Uma prosa para ela. Mas não diga, homem, não diga.
19/10/05
Ontem desci Santa T. no meio dum blecaute. O escuro descia tão veloz que eu quase achei que estava apaixonado de novo.
***
Nunca encontro tempo pra nada. Isso me deixa duas opções bem claras: morrer um zero à esquerda, ou simplesmente não morrer.
20/10/05
Um yuppie alcóolatra discute com sua mãe na mesa ao lado.
“Ele não tinha as GÔNADAS que eu tenho. Não tinha os meus testículos.”
(a mãe sussurra qualquer coisa, olha em torno, constrangida)
“GAY, mãe, ele era GAY. Não era macho que nem – eu sou macho pra caralho, tenho muita testosterona no sangue, nem consigo me controlar”.
“Eu te conheço há 34 anos, mãe, você é uma professorinha que nunca nem conseguiu administrar uma empregada”.
“Lembra das aulas de português que tu me dava? A porrada COMIA, mãe. Mãe, tu se lembra do relógio digital que meu avô me deu? Tu se lembra da dificuldade que eu tive pra aprender a ver as horas? Então eu vou te recordar. Recordar é viver”.
“Hoje é meu dia de folga, tô bem pra caralho. Minha terapia é ganhar dinheiro, muito dinheiro, é sair daqui”.
“Eu já absolvi toda a maldade que você me fez. Eu gosto muito da minha família, apesar de todos estarem me cortando. Eu vim aqui pra me divertir. Tá absolvido, tá absolvido, tá resolvido, tem um real trocado aí?”.
“Eu rezo todos os dias, sabe? De manhã e de noite”.
O mundo é mesmo um bueiro em vias de estourar.
21/10/05
C., 54 anos.
“Eu sabia que estava grávida quando não conseguia tomar café. É que é a primeira coisa que eu faço de manhã, tomar uma xícara de café. Então toda vez que eu sentava e o café não descia, era batata: porra, tô grávida”.
22/10/05
Vejo Clarice, vejo Caio F., não sei se me enxergo.
03/11/05
Dinheiro, o mínimo de saúde física e mental.
Minha vida por chegar. A minha vida. Isso aqui é qualquer coisa com os outros.
07/11/05
“Roleta Chinesa”, Fassbinder.
18/11/05
Heartbreak não tem hífen.
07/12/05
Dezembro vai leve, longe do desespero do ano passado. Teria sido o suficiente pra desgraçar qualquer dezembro, mas esse até que não faz tanto peso, de modo que reconheço, isso aqui dependurado nas costas sou eu mesmo. Caso é que quero calmaria e só encontro tristeza.
09/12/05
Há de haver um nome de gritar quando nenhum outro sentimento é possível. Você me faz um disfarce. O álibi perfeito.
12/12/05
Ah, uma cabeça sobre os ombros certamente me botaria doido.
15/12/05
“... and all my pleasures are like yesterday”.
(John Donne)
Ei-lo Homem
não vazio
mas se esvaziando
coçar é uma arte
poucos têm unha o suficiente
para passar o dia inteiro vazando
26/12/05
Esperar por alguém – no meio da rua, começando a chover – é esperar por todo mundo. O diabo é a espera. É o elevador que não chega, o ônibus que não vem. E tem que ser sempre por alguma coisa.
Não gosto de escrever no meio da rua, pareço um espetáculo.
6/01/06
Jogo com Espelhos
(na frente do cinema Odeon)
Ele saca dum pequeno bloco vermelho. Na distância astigmática, diviso rabiscos pretos fortes. Ele tem feições portenhas. Deve se levar a sério como um velho tango – olhos azuis espremidos e tudo o mais. Antes ele estava esparramado sobre o banco verde. Agora todo cabelos ao vento, barba e sorriso como que traçados com pressa. Um vento forte varre a Cinelândia. É o primeiro dia de sol depois da virada, e a próxima sessão é “Os Amantes”, do Malle. Estou ficando emocionado.
15/01/06
Os olhos doem. Talvez eu abra uma janela.
Um comentário:
é isso a que me refiro.
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