(recitando no FestVaia, sábado passado)
(foto de Alice Sant´Anna)
I.
inscrevo-me no plano trimestral
atividades aquáticas
que implicam em duas sessões de hidroginástica
e uma de natação
por semana
durante (o que se obvia) três meses
II.
das turmas de natação
(me entregam o demonstrativo na secretaria)
escolho Medo D´Água
todas as quartas pela manhã
com o professor Tomás
a quem já ouvi chamarem Tômas
o que me constrange
não sei como me dirigir a ele
professor?
III.
a turma Medo D´Água
todas as quartas pela manhã
consiste de mim e de Ada
gaúcha septuagenária
fóbica
cujo desempenho
cotejado com o meu
deixa muito a desejar
(pareço dominar
o conceito de horizontalidade
melhor que Ada)
IV.
Professor Tomás
ou Tômas
me faz pôr os pés de pato
embaixo d´água
pergunta quanto calço
respondo quarenta
na verdade trinta e nove
mas meus pés são gorduchos
V.
tenho medo de tirar os óculos
porque eles fazem um vácuo incômodo
em torno dos olhos
tenho medo de tirá-los
e os olhos juntos
caindo à beira da piscina
ou na própria piscina
assustando as criancinhas que aguardam
perto do chuveiro
e as senhoras da hidroginástica
(Ada desmaiando)
eu nunca mais seria qualquer outra
coisa que não o sujeito cujos olhos
saltaram das órbitas à beira da piscina
sugados pelo vácuo que os óculos fazem
em torno dos olhos
ao serem retirados
meus óculos fabricados na China
VI.
metido nessa sunga insensata
tamanho G
(sinto que decepcionei os funcionários
da loja de artigos esportivos
meu excesso de corpo não se nota assim
à primeira vista
há táticas como se sabe
tons escuros listas verticais)
os óculos que puxam meus olhos
e a touca que me comprime as idéias
pergunto ao professor se ela deve cobrir
também as orelhas
o que já me parece excessivo
Tomás (ou Tômas) recomenda que eu use
um tampão
isso também me parece excessivo
VII.
um lance de escadas aparta
o parque aquático
do vestiário masculino
tenho de ganhar
essa distância
subjugá-la
metido numa insensata sunga
tamanho G
às mãos a touca e óculos
pendendo úmidos
não tenho roupão
o vestiário masculino me apavora
é possível que no longo desse poema
eu não tenha intentado tratar
de outra coisa que não
meu pavor meu absoluto pavor
ao vestiário masculino
coisa que até agora não fiz
VIII.
talvez esse poema seja sobre a nudez
(modalidade do corpo
que não costumo praticar
com muita freqüência)
ou sobre todas as modalidades
do corpo que não costumo praticar
com muita freqüência
todo esse potencial do corpo
que não se realiza
de inopino as mãos do professor Tômas
ou Tomás
em cima de mim
embaixo de mim
enfio minha cabeça n´água
já que não estou tendo uma experiência erótica
não absolutamente não estou
IX.
o servente
no vestiário masculino
me olha
de alcatéia
não posso lhe pedir que pare
que pare imediatamente com isso
porque provavelmente não é o caso
estou imaginando coisas
estou sempre imaginando coisas
o servente no vestiário masculino
não me olha de alcatéia
não absolutamente não me olha
(por que um? por que outro?)
mas é com muita consciência
que opto por não tirar a sunga
ao me enxugar
(na rua a marca d´água
na bermuda)
X.
bom trabalho Ismael!
meu nome é Ismar