domingo, 13 de abril de 2008

Klaus


"Deixei a coisa assumir seu curso. Havia eu, havia Dulce e havia o nosso casamento; uma terceira criatura, inteiramente capaz de se mover por si só. Pelo menos era assim que eu pensava. Eu me censuro essa... distensão... ou distração, como queira... não atentar em miudezas, que agora, em retrospecto, me parecem bem claras. Onde...? Onde que a ausência de Dulce começa a tomar impulso...? Eu vejo cenas... o cigarro apagado na mão direita... um biscoito amanteigado que ela costumava mergulhar no café até empapar... uma frase um gesto um olhar não... nada me parece claro em retrospecto. Eu quase menti agora. Eu estive bem perto de mentir agora. É preciso ter muito cuidado. Suponho que, se eu tivesse vasculhado bem, se eu tivesse me demorado com mais gravidade na nossa vida em comum, eu teria encontrado qualquer indício; então... haveria um jeito... nossos lábios se moveriam durante algumas horas, cheios de pausa, cheios de... cálculo... por detrás das máscaras cirúrgicas, e acabaríamos nos sentenciando mutuamente a mais alguns anos de... nós nos constrangeríamos a mais alguns anos de casamento. O que teria sido muito pior. Muito pior. Mas de uma forma ou de outra, é bastante duro pensar... ela não foi a primeira, mas talvez tenha sido, de fato, a última. Porque essas coisas acontecem. Acontecem esses... limites. A nós. A maior parte de nós."

Estou revisando "Klaus", minha primeira peça. Isso aí em cima é um trecho do monólogo final do protagonista. Foi bastante empolgante trabalhar com esse formato. Como entendo muitopoucoquasenada de teatro, a imaginação correu bem solta, fluxo e jorro o tempo inteiro. Estou quase feliz com o resultado. Me pareceu bastante imediato. Não claro, isso eu não consigo nunca. Mas imediato.

Se alguém estiver interessado em dar uma lida, é só escrever para: monsieur_sereno@yahoo.com.

Confesso que estou curioso pra saber o que diabos foi que eu fiz.

Um comentário:

Vitor disse...

Como isso é fragmento de umap eça eu não sei como comentar. Na verdade nãosei o que você esperaria de um comentário e, agora, escrevendo, vejo o quanto é uma preocupação besta. ahhaha
Mas tive vontade de escrever porque gostei do que me pareceu um ar meio melancólico (ou quase, o que é ainda melhor, porque é menos patológico) que está presente nisso, que entendi como um perda de algum tipo. Isso faz a gente pensar, e geralmente não gostar do que pensa. Perder, afinal, é a mais necessária e escrota das experiências.