domingo, 20 de abril de 2008

Ana C.


"Acabo de fazer uma grande descoberta. Se olho fixamente para um objeto qualquer durante algum tempo, esse objeto não se move. Pelo contrário fica exatamente na mesma posição que antes. Esse fato me levou a algumas considerações extraordinárias. Estou convencida de que se trata de um processo nunca antes pensando pelo ser humano. Preciso de tempo para desenvolver minhas pesquisas."
(Ana Cristina Cesar)

Muito afinado à cara dura. Tem um nome: deadpan. O rosto vinca ao de leve, rindo de quê? O tapete puxado das colocações mais bestas. Por exemplo: "grifo meu". Não te parece engraçado? O grifo ser meu? Certas palavras, topo com elas nos livros (eles despedaçam), faço listas: repto, autóctone, bem-estante. Vou dar de presente pra ele. Vou dar de presente pra ele. Eu chego valsando, pastinha debaixo do braço, um dossiê, uma investigação minuciosa acerca do adjetivo "esgarçado". Tem um esgar. Esgar lembra caveira. Esgar não é sorriso, é sorriso de caveira. Isso eu também li num livro, não me lembro qual. Esgarçado é lençol gasto, paletó puído, pano/tela de camisa-de-força depois de muito debater-se, os buracos por onde a gente usa se vender. Esgarçada é a pele em Beckett. Vou dar de presente pra ele. Traz um sorriso de morte (em si). É incrivelmente aberto, e aberto para o nada. Não te parece engraçado o grifo ser meu? Tenho visto muitos documentários sobre múmias, ultimamente. Uma pá de documentários sobre múmias. Eu ligo a tevê, só passa documentário sobre múmia. Múmia da China, múmia do Egito, múmia da puta que me pariu. Quem foi essa gente que fez tanta questão de passar seus mortos adiante? Legado. Testamento. Você sabe do meu fascínio com fantasmas. Todas as minhas fichas estão na arte do espanto. Você faça disso o que quiser e bem entender. Você não faça nada, que essa instância é última. Esse fogo de entesourar meus mortos, eu renego. Agora eu faço recortes, babe. Ajeito a gola da camisa, me dou inteiro a uma miríade de gestos sem muito som nem muita fúria, só o meu quinhão, que está bastante. É grau zero, te contei? Um bom jeito de dizer é: sigo sem valsa. Meu sumiço é sem valsa. Positivamente sem valsa. Meu sumiço é meu comigo mesmo. Vou dar de presente pra ele. Vou dar de presente pra eles. Dá e passa.

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