I.
em Janeiro de 1965, a Marvel Comics Group
publica as primeiras e únicas Aventuras do Capitão
Express-o, super-herói criado por Elliot B. Jones em
setembro de 1964 após um curioso incidente num bar
essa (no entretanto) é a nossa história
II.
23 de setembro 1964
Elliot B. Jones ilustrador da Marvel Comics
pede a conta. Paga a conta. Levanta, veste o casaco,
caminha até a porta, nisso dá por um sujeito
velho e carcomido rabiscando qualquer coisa
num pedaço de papel. Elliot se aproxima
o velho está fazendo palavras-cruzadas.
O tempo pára, a ronda do planeta pela metade.
Elliot rememora
outra ocasião, janeiro ou fevereiro
do mesmo ano – noutro bar
das redondezas, um velho rabiscando
qualquer coisa num pedaço de papel
e Elliot, deixando-se tomar completamente
pela vista do velho, faz que se trata dum grande
poeta. Longo tempo Elliot observa
pelas frestas entre as pessoas
à sua mesa, o grande poeta
desconhecido lavorando – este ser Abandono
esta mão detritada – longo tempo
Elliot só faz observar, mas do emborcamento
de seu terceiro scotch on the rocks eleva-se
a coragem para ir ter com o velho
Elliot não pretende saber
que tipo de asneira está pra despencar
de sua boca, mas é quase como
se qualquer coisa dentro armasse
um bote e Elliot entendesse, de um golpe
que sua situação é, de fato, desesperadora,
que não havia mais como ignorar o quão desesperadora
sua situação havia se tornado,
e que estava a poucos passos
da única pessoa que poderia
lhe apontar uma solução. E portanto ele foi
passadas largas até chegar à mesa
do velho (o velho estava no canto)
e antes que pudesse abrir a boca
seus olhos fizeram o caminho pedregoso
até o papel no qual
o velho rabiscava fazia horas:
palavras-cruzadas. O tempo parou,
a ronda do planeta pela metade.
O mais curioso disso tudo é que Elliot
B. Jones, apesar de não se lembrar
distintamente das feições do velho com quem
quase se aconselhara em janeiro ou fevereiro, estava seguro
de que não se tratava dum reencontro –
o velho de Setembro era outro
outras palavras que se cruzavam
num outro bar, o único elemento
inalterado num cordão de anedotas
insignificantes era ele mesmo, o que lhe
pareceu, de certa maneira, insuportável, e portanto ele
voltou para casa na noite de 23
de setembro de 1964, e depois de comer uma tigela de cereais
com leite (Jane deixava a mesa do café pronta antes de dormir),
resolveu parar de adiar
o suicídio que planejava
há meses e dar cabo de si próprio ali
mesmo (na cozinha)
antes do sol nascer. Coisa que não fez.
Muito ao invés, sentou-se à escrivaninha (no escritório) e criou
(aquilo que viria a se tornar) o Capitão Express-o.
Jane dormia profundo.
III.
essa é a nossa história
minha, sua
outra história
por contar
estamos epicamente vazios
e por contar
IV.
e agora, a bem da verdade
estou ruminando a dicção
questões de tonalidade, compasso
o ritmo – uma ciência possível do ritmo – ou
o próprio mito do ritmo, o que resiste
à brusca atomização dos homens
de jaleco, JORRA do Inconsciente
Coletivo representação
inteiramente autêntica que é algo como
Funcionários Públicos ou Dentistas
ou Advogados
ou Poetas
ou Jung
estive esparramado na cama
da minha mãe (cama de viúva) lendo Frank O'Hara
a América é realmente bastante grande
deve-se assuntá-la com tanto vigor
e o tempo inteiro?
sinto-me um pouco culpado
quando penso no final de
Nashville (it don't worry me!)
ou no poema Having a Coke With You
não são Soy Cuba ou
Vidas Secas ou João Cabral de Mello Neto
mas eu gosto de todos na verdade
eu gosto de todos & por que não gostar?
são todos muito bons
(menos o Bilac)
é preciso valorar o tempo inteiro
contornar, tornar senciente
francamente, estou um pouco entediado
(esse quarto é mal-assombrado
toda madrugada, lá pelas 3:00
dou um pinote e não consigo
mais pegar no sono)
gosto quando todas as partículas do dia
empreendem súbita aliança
e desenham teu rosto
(um rosto)
porque isso deve significar, em alguma instância,
que estou apaixonado
que é estar qualquer coisa
e estar qualquer coisa é sempre muito bom
até quando digo que estou um pouco entediado
isso não deve ser tomado por lamúria
ao contrário, estar qualquer coisa
é sempre muito bom (bravata) – por exemplo, eu não sou
uma luminária
Elliot B. Jones e sua esposa Jane
B. Jones tinham dois filhos:
respectivamente
Tom e Jerry
V.
Tom:
De todas as criações de meu FALECIDO FALECIDO FALECIDO FALECIDO FALECIDO pai, devo dizer que o Capitão Express-o é minha favorita. Sem sombra de dúvida. Sei que há personagens seus muito mais queridos pelo grande público, personagens que vingaram e se tornaram, no longo do tempo, como que peças-chave do Inconsciente Coletivo americano, tais como Drake, o Iconoclasta e a Menina Urso. Mas o meu favorito nunca deixou de ser o Capitão Express-o. A idéia de um super-herói cuja mera presença física inspira nos outros a compulsão de falar a verdade me parece, até hoje, muito esperta, e carrega em si um alto teor moralizante que não deve ser ignorado. É força reconhecer, para os padrões da época, bom, tratava-se de um construto vanguardista – refiro-me ao Capitão Express-o – por isso teve de ser engavetado antes mesmo do Segundo Volume. Vendeu pouquíssimo, foi realmente desastroso, não sei o número exato... terei de ver a respeito da tiragem, Jerry, lembra da tiragem? Quanto foi? Lembra?
Jerry:
Não.
Tom:
Hoje em dia, esse primeiro e único volume de As Aventuras do Capitão Express-o representa um rombo, um golfo impossível, um vero CANYON na própria existência de muitos colecionadores. Pra você ver. O mundo dá voltas. Um dia da caça, outro do caçador. Etc etera.
Jerry:
Etc etera.
Tom:
Isso. Etc etera.
VI.
Alienação!
Incomunicabilidade!
Angst!