domingo, 18 de novembro de 2007

sábado, 17 de novembro de 2007

Anita (parte de um monólogo)


"Tão duvidando? EIN? Tô indo pra Grécia AMANHÃ, ha ha. Foda-se. Foda-se. Tem um limite, tem um limite pra tudo. Tem um limite. Isso, então. Pago minhas contas, não devo nada a ninguém. (...) Eu sou uma mulher de meia-idade. Praticamente. Nada me impede. NADA. Nada me impede de fazer um cruzeiro quando eu quiser e bem entender, eu sou uma mulher de meia-idade. Vou pintar as ruínas. É isso. É isso aí. Dias tostando naquele sol e pintando as malditas ruínas. Praia e ruína, ruína e praia. (...) Eu não agüento mais. Eu não agüento mais nada. Dá pra entender isso, né? Não é tão incrível assim, né? Quando as coisas chegam num ponto em que... nada... uma mulher da minha idade está no direito de ir pra Grécia a hora que ela quiser. (...) Eu tô dizendo, se eu ficar mais um mês nesse país eu vou explodir. Eu não agüento mais essas pessoas. As pessoas lá fora, eu não agüento mais as pessoas lá fora. Eu estou pegando PAVOR de tudo. Se eu ficar mais algum tempo aqui eu vou acabar num hospício, é tudo que eles querem, que eu acabe num hospício logo e pare de encher o saco, aí, que beleza, todo mundo vai poder dizer é, ela não deu conta mesmo, coitada. COITADA PORRA NENHUMA. Quero ver me chamarem de coitada quando eu estiver lá, de vestidinho florido, em Creta, toda brilhosa, bebendo vinho e vendo o pôr-do-sol, HA HA. Quero ver a cara. (...) Vou mandar postais. Pra todo mundo. Lindos. Postais lindos pra TODO MUNDO QUE EU CONHEÇO. Das ruínas. Vou mandar pra mulher do Paulo um postal de Atenas, quer ver? Mando mesmo. Ou uma foto minha fazendo a dancinha do ZORBA na praia, atrás escrito quem é a coitada agora, EIN? Coitados são eles. todos eles. Coitados são eles, eu não sou coitada, vou pra Grécia. Amanhã. Amanhã eu embarco. Me enfio num balde e vou clandestina que nem filme dos irmãos Marx. QUER VER? QUER VER? (...) Eu não suporto mais. Eu – não – suporto – MAIS."
(outro trecho do "Abecedário")

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Bárbara (parte de um monólogo)


"Mas eu me acho meio brutamontes. Um pouco, que seja. Sei lá – há coisas nas quais eu acredito, outras nas quais eu não acredito. É meu, eu não deixo ninguém tascar. (...) Não acredito – em dizer duas vezes a mesma coisa. Não gosto. Nem em nada que seja... ou que se pretenda duradouro. Não gosto de me repetir, acho perda de tempo. Só gosto das primeiras vezes. Quando ainda tem alguma coisa pra dividir, quando é descoberta. Como as cores. Cada vez que eu vejo uma cor é como se fosse a primeira vez. A primeira cor, a primeira vez. Isso nunca mudou. Eu não entendo as coisas quando elas se impõem. Que nem você disse: “eu não presto atenção”. Só existe um momento de união entre as pessoas, é a exploração, é o desvelamento. Depois de um tempo, as pessoas... derivam umas das outras, cada um entra pelo outro e vai seguindo sozinho, sozinho. (...) Eu não acredito em conhecer as pessoas. Não do jeito que as pessoas parecem acreditar. Eu acredito que todo mundo tinha mais é que se deixar em paz, mesmo, porque depois de um certo... tempo, não tem mais nada lá. Mas com carinho. Sempre. Eu acredito nisso, também. Carinho. Eu não acredito em – culpa. (...) Eu não acredito em hedonismo. (...) Eu não sou romântica, eu sou realista. O que eu chamo de realista. Uma vez meu pai me disse que não adiantava nada ter os pés no chão se o solo era de Marte. (ri)(...) Fazer o quê? A Terra já deu tudo que tinha pra dar."
(outro trecho do "Abecedário")

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Duílio (parte de um monólogo)


"Eu estou sendo vago, agora, mas é só porque estou sendo sincero, sinceridade e objetividade são coisas INTEIRAMENTE diferentes. A maior parte das mentiras que a gente joga no mundo é de uma objetividade massacrante. Eu acho que você devia me escutar bem. Eu estou sangrando isso tudo na sua camisa branca, porque de repente me parece certo que eu sangre tudo na sua camisa branca, de repente me parece absolutamente necessário que você SE ARREPENDA JUNTO COMIGO. Eu tenho direitos, eu tenho direitos e você sabe disso! Se eu nunca reclamei, é porque sou covarde. Eu me arrependo, eu quero que você entenda que eu me arrependo, da maneira mais amarga, de não ter reclamado MEUS DIREITOS quando isso ainda parecia possível, agora é tarde demais. TARDE, você me compreende? VOCÊ ESTÁ ME ESCUTANDO? Isso tudo é uma grande mentira e uma decepção ainda maior. (um pouco mais calmo). Uma decepção de proporções tsunâmicas, eu diria (ri levemente de si para si). Não existe amor, existe o ato do amor, de onde ele vem, ou por quê, não tem como saber, é um jogo de adivinhar. Há suspeitas, entretanto. HÁ SUSPEITAS. Quem diga que o Homem é a forma mais pura do desamparo, que tudo que fazemos um pelo outro é caridade, é filantropia irrefletida, que esse desespero de alívio e proteção pode fazer com que pessoas passem uma vida inteira juntas mas amor, AMOR -- qual é o espaço disso? Será que alguém no mundo ainda se leva tão monstruosamente a sério, será que alguém no mundo ainda confia tanto em si mesmo a ponto de dizer sim, eu estou amando, eu amo, eu amei? (...) EU AMO. A gente precisa disso, alguém me disse que eu preciso disso, então eu preciso disso, amor... (recitativo, irônico) estamos fuçando um lote de abstrações, meu bom jovem, uma capitania hereditária, o legado da necessidade suprema... ou qualquer coisa assim. (...)(esquentando) Você parece tão cansado. DE QUÊ, PORRA? Não de mim, certamente, eu estou me colocando a nu na sua frente pela primeira vez, eu estou fazendo esse vaudeville todo só pra você, você NÃO PODE ESTAR CANSADO DE MIM. (...) Foi um instante, eu me deixei convencer de que amava – VOCÊ – só agora COM TUDO CAINDO AOS PEDAÇOS eu entendo, só depois do bombardeio, só depois da chacina, ou pelo menos, SUPONHO que entendo. Meu Deus..."
(trecho de "Abecedário", roteiro que estou aprontando para um amigo)

Nocaute



Heaven
Heaven is a place
A place where nothing
Nothing ever happens.
(Talking Heads)


segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Quando Ele Vai Embora


Gostaríamos muito que ele não fosse embora com tanta freqüência. Só nós, aqui, sem ele, não tem como saber exatamente, ele é descontínuo. Há também a questão das espreguiçadeiras. Sendo o mais velho de todos, compete a mim levá-las de volta para a garagem na manhã seguinte, antes que a casa acorde, dobradas e empilhadas perto das caixas que não abrimos mais, fazem uma vontade danada de perguntar por quê, o que posso por mantê-lo assim quartzo, mica e feldspato, o ato de levar as espreguiçadeiras de volta para a garagem, eu faço, mas de vez em quando não dou conta, raia uma vontade danada de perguntar as coisas, de tentar entender, pelo menos, lembro de sairmos todos ao jardim certa vez, esperar o sol nascer, peneiras às vezes de máscaras, o elástico atrás das orelhas coçava. Ficamos aqui, dizendo um pro outro que sim, foi só o vento, Ada sugere o pôquer, para dar cabo de algumas horas não há coisa melhor que o pôquer, mas no fundo, no fundo, não seremos jovens demais? Será que não fizemos outra coisa que não esperar, esse tempo todo? Largamos nossos anos mais sólidos pelas vésperas. Nas frinchas e cotovelos do tempo. Ali um bocado, ali outro. Vejo que Artur está no alpendre outra vez, por favor, Artur, nesse frio. As barcaças jogando no longe que não quebra nunca, nunca, gosto de sal. Faço chocolate quente, o meu com um fio de uísque velho que eu não conto pra ninguém, as toras estalam na lareira, quando damos pelo toldo de noite já não temos mais nada a dizer. Recolhemos as fichas.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Frank O'Hara


não seria como versar
o colapso de Lana Turner

os tempos vêm vulgares
dum jeito muito mais vulgar.

Já versar a vulgaridade
a indelével vulgaridade
dos tempos que nos vêm

é cousa, quiçá, alhures
-- não se usa mais

e ponto.

A cada comentário
metido à besta que faço
arrancam um par de asas
a Jimmy Stewart. Ouço-lhe o
choramingo todas as noites

é desconcertante; o buggy
de sonhos de ponta cabeça
no acostamento.

Toda literatura consumida esse semestre
deve destinar-se à nobre empresa
de me tornar um sujeito cínico.
Não espirituoso. Cínico.

Angular semi-cerração de pálpebras
e principalmente, nada de sorrisos
largos enquanto não endireitar
esses dentes (quatro mortos,
alguns meramente escandalizados).

Frank O'Hara


"I am the least difficult of men. All I want is boundless love."
(Frank O'Hara, "Meditations in an Emergency")

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

It's Raining Today (Captação Imagética 101)


but once there was summer and you
and dark little rooms
and sleep in late afternoons
those moments descend on my windowpane

Faz o seguinte, você pega seus olhos e depois mira. Depois reza pra ficar. Pra qualquer coisa remanescer empedrada nos olhos que não se deixe biodegradar, que não se suma na Natureza pra depois virar petróleo.
Neste retrato meu que minha amiga fez tenho os lábios repuxados numa careta revulsiva e meu perfil é duro quem sabe talvez por ser outubro dum ano terrível. Minha cabeça encima uma camiseta listrada em semitons de vermelho vestida certa feita pra conhecer o amor monumental. Lembra-me bem daquele finzinho de verão e do sorriso que benvindava à soleira apesar do pé machucado e do calor. Mais perfeita ainda é a lembrança de não saber do entrecho e muito menos do desfecho. Eu me pego querendo ser inocente de novo. Mas penso bem e não escapo à conclusão de que essa inocência só existe porque parasita entrecho e desfecho.
O desenho vai sumarento de cores, meu cigarro parece alegre. No ponto de ônibus o modelo falou uma porção de bobagens à retratista que na verdade só queriam dizer: você já viu as cores e cumpre agora mantê-las, assim explosivas, assim viventes. Para a vida inteira e isso não excetua a tristeza. Porque haverá momentos de tristeza e eles não se contentarão com o preto e o branco (é cruel, eu sei). Basta lembrar do nosso amigo Ben na piscina, "A Primeira Noite de um Homem".
Você faz assim: enquadre, não se furte a buscar o ângulo mais bonito, um que inclua uma quina de estante de madeira ou a copa de uma árvore em dia de vento. Orquestra bem tuas despedidas. Se lhe aprouver, cantarole baixinho um tema bem pontual, para cravo, violino e pistão. Porque a vida, minha amiga, não é um filme.
(Outra lembrança: fizemos a Gustavo Sampaio de madrugada, eu e esse amor monumental, e eu disse: "Tudo o mais falhando, vou tirar disso umas imagens bem bonitas". O que era mentira, mas isso não vem ao caso. Não, definitivamente não vem ao caso.)

domingo, 4 de novembro de 2007

Na Livraria




NA LIVRARIA
(parceria minha com Alice Sant´Anna)

Passo o dia inteiro
Aqui, as mãos para trás
Toda bons dias tardes e noites
Todos custando tanto a passar
Soldadinhos de chumbo têm destino melhor
Que ler as mesmas orelhas todos os dias
Até sabê-las de cor

Vamos jantar? Eu conto um sonho
Em que as prateleiras se põem a girar
Todas as letras, as belas, as feias
Erguendo um alto mirante pro mar
Ele faz que sim com a cabeça
Diz que me entende
E eu não sei mais o que é livro e o que é gente.