quinta-feira, 27 de março de 2008
Murilo
(exercício chico-alviniano)
bom reencontrar Murilo depois
de todos esses anos
(nessas circunstâncias, quem diria)
constatar que sua visão de mundo segue
ainda um programa rigorosamente pessimista
mas pelo menos o cara arranjou algum senso de humor
Twist do Mal-me-Quer
Twist do Mal-me-Quer
(dueto meu com Mariana Albuquerque)
I: Você é jovem e eu não digo mais
Você é belo e eu não digo mais
Você me apraz mas eu não digo mais
M: Então só diz que tanto faz.
Hey, você tem potencial!
Sabe do grande mundo mau
E há meses não encosta num jornal
I: Então só diz que é natural.
Para pa pa pá...
(interlúdio com todos os membros microfonados da banda repetindo a frase "todas as cartas de amor são ridículas" até ninguém entender mais nada)
I: Que me importa se é uma farsa?
De real já me basta a vida.
Uma pausa tão merecida...
M: Sem nosso auxílio o tempo passa.
Ah, eu te amo é coisa feita
Para se dizer baixinho
Aos completos desconhecidos
I: Arrebanhados sexta-feira.
Para pa pa pá...
Marcadores:
ativismo mercadológico online,
os subterrâneos
terça-feira, 25 de março de 2008
quinta-feira, 20 de março de 2008
Alexandre O'Neill
"Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti"
(Alexandre O'Neill, "Um Adeus Português")
Amor Como o Nosso Foi Feito Pra Durar, II
não ainda nunca
li Proust nem Deleuze
nem Deleuze lendo Proust
todavia me apetece o Camus
e folheei um Cioran
certo setembro
ele sai de casa está chorando
lá fora? Isto é depois de Lili Marlene
que eu o beijo mais longo e indevido
à moda de grandes melodramas
fantasma, arquétipo
minha mão emplastrada na aspereza do pulôver, & o REMANSO DO CORAÇÃO
benzinho sei o quanto te aborrece
o uísque a mais esta luz fria
e os azulejos
ele toma o elevador como embarcasse
um vapor para longe desses
insensatos, incivilizados
benzinho sei como é forte o trago
a aspereza desses azulejos esse iceberg todo aceso
por dentro o branco gelo de nosso sonho incomungado
& a tristeza do beijo que se porfia; por final
esfumaça, o vapor que meu benzinho toma para bem
longe desses insensatos incivilizados inevangelizáveis
eus que te faço presente das mais finas especiarias
cá dessa beira do paraíso: o quarto ao lado & o futon
pra dormir longe do futum do meu cigarro
& mais: todo o tempo do mundo
para ler teu Proust em paz
enquanto caço a carteira que não sei
onde enfiei noite passada
eus que faço tanto gosto em ti
serão todos eles tão
inapelavelmente banais?
responde benzinho ai
responde responde
terça-feira, 18 de março de 2008
Amor Como o Nosso Foi Feito Pra Durar
quarto agourento do ano, por isso tantos telefonemas. Toda a gente anda infeliz (a princípio); & eu como que também
por esporte diria: tempo
de atentar no som de mãos farfalhando cachos & muitos tapinhas nas costas coragem!, peito pra fora barriga pra dentro mas seria preciso um guindaste pra reerguer esse queixo não é mesmo, meu bem, não é mesmo
segunda-feira, 17 de março de 2008
Teu Corpo Não Pára Nunca Mais
teu corpo não pára nunca mais
quando eu tinha dezesseis anos
escrevia poemas bem ruins
eu pedia a palavra para ler em voz
alta meus poemas bem ruins
que todo mundo tinha medo
de dizer que eram ruins
porque eu usava canetinhas
coloridas porque eu gostava
tanto de exclamações e
reticências porque eu passava bastante
tempo fazendo massagem cardíaca
em adjetivos que nem meu avô
escrevia poemas tão ruins
quanto os poemas que escrevi
aos doze anos que não
me interrompessem se eu
me metesse a cantar pras
visitas (& dançar
pras visitas) (& eu chorava
todo feriado de sete de setembro
pela manhã religiosamente quando fiz
oito anos peguei medo de dormir
e do poço do elevador, veja você, nós
morávamos no décimo andar – compreende?
poemas muito ruins); mas teu corpo,
ah, teu corpo
não pára nunca mais
domingo, 16 de março de 2008
Queixas
"Há pouco tempo atrás alguém me mostrou uma foto duma mocinha sorridente metida num tailleur azul-marinho e disse: é a M..., fez o primário com a gente. Estudei por alguns instantes o coque glacial encarapitado na cabeça da jovem e tornei: pois bem, e o que ela está fazendo numa plataforma de petróleo? Alguém: ela trabalha lá. Ah, sim. Claro. Como não? Tudo é possível. A rigor, tudo é possível. Elevadores caem, hospitais entram em greve, geleiras derretem. É com esse senso de tudo – mas tudo mesmo – ser possível que nos aproximamos das manchetes no jornal diariamente, se ainda nos sobra algum instinto de auto-preservação. Impossível, portanto, dar conta do pânico que aquele retrato de M... (de quem, por sinal, não me lembrava em absoluto) me fez. Por algum tempo entretive a fantasia de que aquilo não passava de uma piada de mal-gosto; aquela menina estava fantasiada, ou quem sabe, talvez, não passasse de um autômato construído por um professor lunático. Custei a equacionar.
Sofremos, de um golpe, noção exata da distância que se percorreu de um ponto X a um ponto Y, e nada nos prepara para o choque que vem na esteira dessa realização. Há um prazer torto em constatar que J..., o menino pacato que ficava a dois nomes do meu na lista de chamada, hoje em dia cita Mein Kampf como um de seus livros favoritos; ou que V..., o garanhão precoce da turma E, superou seu vício em refrigerantes e agora só toma chá sem açúcar, alegando em público que “a vida já é doce demais”. De algum modo, é como se nada tivesse mudado, e essas pessoas seguissem raciocinando no mundo que as cerca como pré-adolescentes culturalmente retardados, o que nos dá a sensação confortante de que não foi há tanto tempo assim. Mas há um porém, porém dos mais aterradores: J... está fazendo mestrado em economia, V... está abrindo consultório pediátrico, e M... ingressou na lucrativa arena das geociências (Perfuração? Tecnologia offshore?). Pra muito breve essas pessoas estarão dando as cartas, fazendo e desfazendo o tricot sócio-político nacional, sendo as manchetes de jornal das quais nos aproximamos diariamente com aquele senso de que tudo – mas tudo mesmo – é possível."
(trabalho-em-andamento para a revista Ilusorama)
sexta-feira, 14 de março de 2008
Frango Delicioso
“Alguns estranhos batiam à porta e inventavam uma razão para entrar: digamos uma chamada para o 'A Triplo', sobre um carro invisível. Outros apenas abriam a porta e entravam e eu deparava com eles no saguão de entrada. Recordo-me de haver perguntado a um dos tais estranhos o que desejava. Olhamo-nos por um espaço de tempo que me pareceu longo, e então o desconhecido viu meu marido no patamar da escada. 'Frango Delicioso', disse finalmente, mas não havíamos pedido nenhum 'Frango Delicioso', nem ele carregava algum. Anotei a placa do seu furgão. Parece-me agora que, durante aqueles anos, eu vivia tomando nota de placas de furgão, furgões circulando pelo quarteirão, furgões estacionados do outro lado da rua, furgões atravessando lentamente um cruzamento. Guardei o número das placas numa cômoda de roupas onde a polícia pudesse achar quando surgisse a ocasião”.
(Joan Didion, “O Álbum Branco”)
quinta-feira, 13 de março de 2008
Luís Quintais
"é 'natureza' este voluptuoso jogo
de se desconhecer?"
(Luís Quintais, "Flores e Outras Espécies sem Nome")
Bondage
repousa-me em verdes pastos
com calma com doçura com dossel
ninando infantarias
dá um abraço conta outra
anedota do eu profundo
desata minhas mãos que eu bato palma
e peço bis
quarta-feira, 12 de março de 2008
The Sundays
And it's off to work we go now
You can forget about a labour of love
´Cause it just won't wash anymore
(The Sundays, "God Made Me")
Marcadores:
cantando no chuveiro,
cita brasil
Apartamento
o espaço é parado e pulsa, inscrição num mar de silêncio
peça à peça
desentreteço o apartamento
pé ante pé – pensemos bastante
uns tantos temporais
depois nos é dado
o lugar-comum
duma ilha; pequenas intromissões
da cafeteira
gorgolejando
pouco muda (quase nada)
se o vizinho abre uma janela
ou deixa
de abrir
outras tantas, mal amanhece
baixa a maré
as mesmas portas vão abertas
espécie de missa no quarto ao lado
tijolos
argamassa de medo
terça-feira, 11 de março de 2008
Luzes, Menino
quatro da manhã, o telefone. Sim. Onde estive a noite toda. Estive trabalhando. A noite toda. Mentira. Catatônico. A tevê vitrina planetas desconhecidos duas estrelas foxtrotam como loucas até que (BANG): uma supernova!
de jargão científico o mais opaco. Não entendo é mais nada. Mas uma coisa não entender é mais nada
outra não entender é mais nada em três dê (já não me importa entender hoje à noite, que estou embalado, que estou) Catatônico. Caretíssimo. A tevê explode planetas desconhecidos. Então não passo aí. Não. Venha sim. Só não se alongue que estou trabalhando. Mentira. Não passo aí. Você está caretíssimo. Mas amanhã? De pé por suposto na pracinha oito e meia venha sim. Só não se alongue que segunda-feira eu preciso
trabalhar. Preciso trabalhar!
Onde estive a noite toda. Catatônico espaço é campo minado na tevê acidenta que tua voz é a última que ouço antes de dormir e a voz que vem me despegar do sono quatro da manhã pedreira de lençóis travesseiros edredons cheiro modorrento a erva-doce. Quatro da manhã, o telefone
não digo andei
sonhando o BANG virginal que gera planetas (desconhecidos – dos conhecidos já vamos fartos) e andei sonhando e andei sonhando luzes. Luzes, menino
segunda-feira, 10 de março de 2008
Donald Barthelme
quinta-feira, 6 de março de 2008
Harold Pinter
"You have no number. Where am I to look, where am I to look, what is there to locate, so as to have some surety, to have some rest from this whole bloody racket? You're the scum of some many reflections. How many reflections? Whose reflections? Is that what you consist of? What scum does the tide leave? What happens to the scum? When does it happen? I've seen what happens. But I can't speak when I see it. I can only point a finger. I can't even do that. The scum is broken and sucked back. I don't see where it goes. I don't see when, what do I see, what have I seen? What have I seen, the scum or the essence? What about it?".
(Harold Pinter, "The Dwarfs")
quarta-feira, 5 de março de 2008
terça-feira, 4 de março de 2008
Pele
Entendo onde se quer chegar com “pele acetinada”. Até há pouco me convencia de que era só mais um brinquedo de dizer, cantilena de quem não pode com as asperezas do outro. No que se teia (sempre imaginei, não sem certo desespero) essa seda sem saída pro tanto de verdade que corre lá fora; que o corpo deve a si próprio ser tão inóspito quanto a cidade. Mas a pele dele me objeta. Apresenta uma contradição, um ilogismo. Quando me encosto parece outra coisa, tanta suavidade que ela traz. Me digo (não precisava dizer): vamos, que pele é tecido: epitelial: todo furado pra que não falte ar aos órgãos, coisa que não se vê a olho nu. E o que anda dando na vista? Eu quero conseqüência daquela pele. Muito nítido eu querer conseqüência daquela pele. Que ela esteja bem perto caso eu me esqueça que lá dentro vive alguém que é muito vivo. Isso vai se refratando em telefonemas, nas conversas com os amigos, ou numa certa vontade de se distrair do sentimento assuntando o dito cujo com paixão de laboratório. Será que estão prestes a encontrar Deus? Inventam uma máquina, uma máquina capaz de alumiar as pausas, as secessões entre os ditos dos outros: e lá vai Deus. Esse meu medo: chegar em Deus (que é aqui que ele se desmede). Não se trata de fenômeno contra nem a favor da natureza. “Pele acetinada” só pode provir dum tear divino (senão). Mas sendo assim, como é que eu fico? Quando a metáfora empedra, vira prova irrefutável? Não se trata de minar a realidade com poesia, que é lide, que é trabalho o tempo inteiro. É a poesia que vem só e de repente, a poesia que a gente não faz. Tanta coisa sonegada ao olho nu, e tanta coisa urgente; mas meu desejo é estandarte, deve arder na vista dos outros que nem sal grosso, talvez uma cicatriz.
Instruções
para apreender a palavra
seria preciso (antes de mais nada)
subtrair-se da voz
alar-se da voz
lamber os beiços tamanha
a mudez
(fome de estar faminto)
segunda-feira, 3 de março de 2008
Sobre a Imagem
nada mais é
o que se vê
e certo
desesperar do que se vê
(desconfiar sempre)
será de palpar?
quando acendem
as luzes
(o quente das luzes)
eu me ponho
maquínico a escrever
(o quê?)
este retrato
nada mais é
que um silêncio fundo
rasgado de ordens
duma gente tão triste
quanto eu (quem sabe
mais?)
que nem eu
a imagem
nada mais é
que nem eu
escrito às pressas
e debaixo de muita gente
debaixo de muita gente
escrevo às pressas:
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