terça-feira, 28 de outubro de 2008

Tevelisão


Pois. Quarta-feira, dia 29, dou pinta lá no Atitude.com, programa da TVBrasil apresentado por Liliane Reis, debater a importância da escrita no cotidiano das pessoas. O programa vai ao ar às 18:00, e é ao vivo.


Não tão perto, Sr. DeMille.

Faz Escuro


A dispersão
é a única coisa
que me mantém acordado.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Phil Ochs




"Do you have a problem?
Would you like someone to solve 'em?
Would you like someone to share in your misery?

Now, I don´t know the answer
But I know a flamenco dancer
Who will dance for you if you will dance for me

Her name's Miranda
She's a Rudolph Valentino fan
And she doesn't claim to understand
She bakes brownies
For the boys in the band".
(Phil Ochs, "Miranda")

sábado, 25 de outubro de 2008

Introdução ao Baile, II


"Por causa de quem você segue vivo? Você fica, ou você vai, você se permite deslocamentos muito pouco práticos e as mais incômodas paralisias, e isso tudo por quem? Quem que te atiça tanto ao ponto de fazer as coisas que você faz ou mesmo ao ponto de fazer qualquer coisa? Já não é bastante absurdo, isso de ficar fazendo coisas a todo o tempo? Mudar de cidade, de país, de continente, cogitar os anéis de Saturno? Quem são teus motivos? Tuas motrizes? Quem dá a cartada, e o que há nessa cartada que ela é tão alguma coisa ao ponto absurdo mais-que-absurdo de você se sentir compelido a dar uma cartada de volta, a reagir, a não estar morto?"
(do conto "Introdução ao Baile")

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Daniil Kharms


"Caro Aleksandr Ivanovich,

Ouvi dizer que estás juntando dinheiro e que chegaste já a trinta e cinco mil. Para quê? Por que juntar dinheiro? Por que não partilhá-lo com aqueles que não possuem ao menos um par de calças totalmente extra? Digo, que é o dinheiro? Já estudei essa questão. Possuo fotografias das cédulas mais vastamente circuladas: no valor de um rublo, três, quatro e até mesmo cinco rublos. Já ouvi falar de cédulas com valor intrínseco de até trinta rublos de uma só vez! Não obstante, no que tange seu acúmulo: para quê? Bem entendido, não sou um colecionador. Sempre desprezei colecionadores que cumulam selos, penas, botões, cebolas e quetais. São tolos, gente enfadonha e supersticiosa. Sei, por exemplo, que os chamados “numismáticos” – são os que acumulam moedas – têm o hábito supersticioso de guardá-las, imagine onde! Não sobre a mesa, não numa caixa, mas... dentro de livros! Que achas disso? Enquanto o dinheiro pode ser tomado, levado a uma loja e trocado, bem... digamos, por sopa (isto é um tipo de comida), ou por molho de tainha cinza (igualmente coisa de comer).
Não, Aleksandr Ivanovich, és um homem quase tão refinado quanto eu e, no entanto, acumulas dinheiro sem transformá-lo num leque de outras coisas. Perdoa-me, caro Aleksandr Ivanovich, mas isto não é muito esperto! Ficaste um pouco tonto vivendo na província, é tudo. Não deves ter nem com quem palrar. Envio-te a minha fotografia para que, pelo menos, tenhas diante de si um rosto inteligente, cultivado, intelectual e de primeira grandeza.

Teu amigo Daniil Kharms".

Aríete


(21 de outubro de 2008. Amanhecer)


é lento e de inúmeras
investidas
tornar-se
uma outra cor

numa estação
as ventas do trem
das sete
põem-se doidas diante
da manhã lilás
mas antes de mais nada
as minhas costas voltadas
sem paletó

aos 23 anos de idade
tornei-me ladrão internacional de partidas

mas não saberia precisar
se isto que caminho agora
é fuga

me parece contrário
sem pressa
me parece algo como passear
e quem sabe dobrando
a esquina não resolvo
ser bem tarde
abrir os braços
entre os obuses

nunca se sabe

tenho 23 anos
e suspeito
mais nenhum adeus em mim

tenho 23 anos
deferente deixo
inomináveis
os últimos 22

domingo, 19 de outubro de 2008

Depois


Um movimento de dedo nenhum
sobre o interruptor, os fusíveis
intactos. Teste. Sim, a casa funciona,
a casa está acesa. Um silêncio precipitado
entre eles, um silêncio que conta com todos
os artífices do hábito. Um de olhos se pendura
no teto nas pálpebras, o outro segue bastante
mágico pela estampa da almofada. Pensam
móbiles e o que de mais não sabem.
Em qualquer outra parte os olhares
estão encontrados. Um abismo
alegre. Eles têm uma
estranha confiança, vinda
sabe-se lá de onde. Teste, 1-2-3,
teste. A casa está funcionando.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Credo



"Stories don't interest me".
(Robert Altman)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Coisas Se Passando Num Parque


por que tanto tempo no observatório das coisas que se passam no parque? Os espocos, a música vermelha vinho em galão teiado de vime? Mas por que o coreto parece de repente tão nu, e essas trancas de metal, ainda vigas? É primavera, talvez. Uma partida de oitavas e a lua, travesti obeso. Todos de saída de seus cursos de teatro, e seduzem-se. Com pop do início dos novecentos e noventa – mas também, quem nunca fez isso? Me enteio da pergunta, eu aqui, bastante quieto, pensando tudo um argumento, mas francamente apavorado de acender o próximo cigarro. Faça uns planos, quaisquer planos, você devia estar é fazendo planos, a pilot e papel kraft, que papel kraft não serve só para blindar os janelões, serve também para fazer

planos. Tampo os olhos, faço como quem genuinamente se perde? Ó, donzela. Três acordes catados à exaustão num pinho que nem se usa mais chamar assim, a palavra Catarse faz sua primeírissima aparição da noite. Isso está em roda. Isso tudo está em roda. Todos saídos de seus cursos de teatro, falando Catarse e cantando qualquer outra coisa. Por que escrever sobre as coisas tão jovens que se passam no parque? Por que não sou mais assim tão

e me maravilho? E me maravilho desses corpos semi-nus e dessa incrível parolada, cabacenta a despeito de si própria? Terão eles as cores das latas de lixo e da fachada do Corpo de Bombeiros? E eu, que cores eu? O que querem, esses atores? Tirar a própria camisa, tirar a camisa dos outros? Um papel na novela das seis e um estoque vitalício de haxixe? Tio Vânia? Shakespeare? Todos saídos de seus cursos de teatro, falam Zé Celso e cantam qualquer outra coisa. Eu estou para ficar? Não

a lua assoma grande por detrás das montanhas, e talvez seja princípio de incêndio no terraço do vizinho. Uma latinha é todo o trajeto de volta, e sou como a prévia encarnação de todos os outros os outros os outros e sou, afinal, como todos os outros, chegando em casa, saco dum pilot e faço planos no papel kraft que reveste os janelões do quarto. Planos. Planos para o futuro. Todos eles usam brincos, astericos que rebatem lá embaixo em nota de rodapé com os seguintes algarismos: dois zero um dois. Dois mil e doze. Garantir ingresso à cidade-modelar. Aprender como se faz na selva. Chupar o Messias vindouro. O mundo vai infalivelmente acabar e eu aqui ah Deus e eu aqui

apavorado de acender o próximo cigarro.

domingo, 12 de outubro de 2008

Antes


estou por te abrir minha boca
mostrar a garganta vermelha

por acender as luzes frias
da cozinha -- e a esfinge
de louça encardida

estou por descerrar os dentes
morder o ombro que me prensa um uivo
cheio de obturações

e isto daqui você
deve ter reparado
é primeiro passo
ao passo dum possível
nu

numa carreira
dos olhos num
pisco ribo
à porta da tua vila
com meu estúpido chapéu de festa
daqui a pouco as velhas começam
a matracar no quintal

e nesse breu
onde tudo afinal
chega a horizonte
os gatos fitam
feito furgões
estacionados no fim
da rua
e com as minhas peço
da tua mão
e há então essa irmandade
das armas brancas
e sou duma quietude
a bem pouco de sombra

sábado, 11 de outubro de 2008

E correlatos.


"- Você acredita nessas coisas?
- Que coisas?
- Essas coisas.
- Deus?
- E correlatos.
- Nem mais nem menos do que em todo o resto.
- Você pensou demais antes de responder.
- É costume.
- No batismo, sabe, dizem que o carimbo de Deus fica na sua testa, não sai nunca mais. Quando eu ouvi isso pela primeira vez, eu não tinha nem onze anos, mas quando minha avó Benvinda me disse isso pela primeira vez, sei lá, eu achei aquilo tudo tão agressivo, isso de ter um carimbo que não saía da minha testa nunca mais, em suma, ficou uma impressão tão funda e desagradável que eu comecei a lavar a testa com detergente antes de dormir. Isso porque as propagandas de detergente me fascinavam naquela época. As de sabonete eram suaves demais, com mulheres compridas saindo do box e se enroscando em roupões felpudos, e as flores e as cortinas balançando e tudo o mais. As de detergente não – eram duras, e sempre iam naquela base do nenhuma sujeira pode com este excepcional produto. Eram mais bélicas, as propagandas de detergente, mais... totais, não sei, era essa a impressão que eu tinha. Digo, se o caso era me livrar duma mancha desse naipe, eu só podia recorrer a um detergente, sabe, um desses que prometiam dar cabo de toda e qualquer impureza. Fato é que eu ficava no meu quarto, esperava meus pais se recolherem e descia para a cozinha na ponta dos pés, pegava o detergente e ficava esfregando minha testa com a bucha. Isso durou pouco, porque eu ficava com a testa toda esfolada, e as pessoas começaram a fazer perguntas, o que era de se esperar.
- E o que você respondeu?
- Não lembro agora, mas nada que ver com a mancha. Chegaram a me levar num alergista."
(do conto "O Homem Santo de Jodhpur")

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Atenção: Lança em Montes Claros Cancelado




Por conta duma série de trapalhadas, estou impedido de lançar o Synchro em Montes Claros amanhã. Agradeço o convite da mesma forma, e espero que o evento seja de dar volta ao miolo.

Synchronoscopio Does Minas




Hoje estou de parte para Montes Claros, MG. Amanhã mesmo (sábado), no Mercado Central Christo Raeff, tem lançamento do Synchronoscopio durante as festividades do Salão Nacional de Poesia "Psiu Poético", capitaneado pelo Aroldo Pereira. Não sei muito bem o horário, mas deve ser início da tarde. Quem estiver por lá, apareça!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Vácuo e Meio


R. recuperou os movimentos
faciais. Me aparteou
a caminho do banheiro masculino.
Perguntei do aborto. Ao que parece
tudo correu bem. Estão reunidos,
o tipo da coisa que atua
como solda. De prever
que ele desista do teatro
e torne aos negócios
da família. Exportação?
Não sei. Faz tanto
tempo. Ao que parece
ninguém se feriu. No dia seguinte
toda a cidade foi votar
chovia fino e cortoso

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Outros Resgates


05/10/05

Uma fórmula: comedimento e coração.

06/10/05

O que dever aos meus contemporâneos:

1. O projeto de uma literatura que não passe sem a percepção direta, mas que atue majoritariamente como undercurrent.
2. Certa inconsistência estilística.
3. Vastíssima ignorância.
4. Preguiça.
5. Ansiedade.

Ilustro: estou na frente da Biblioteca Nacional, e estou completamente apavorado.

***

Súbita necessidade de sonhar com estrondo ou algo maior.

12/10/05

Que é o destino de todo o carinho – a repetição.

13/10/05

Penso nele e isso vai dar numa estranha sensação de espaço dentro, frio acre que culmina como que numa contração. E na esteira desse cordão de fatos físicos, a certeza de ter um coração, marretando grosso, talvez presidindo esse espaço que se tenta dobrar sobre si mesmo.

A mão espalmada da Lua sobre a Lagoa. É pena que o Cortázar não tenha fabulado umas Instruções para Esquecer.

14/10/05

G. diz que sou anacrônico até dando bom dia.

18/10/05

Me dou o seguinte conselho no ponto de ônibus: não fala, homem. Volteia, gira, circula, mas não diz: solidão. É só um mediador entre você mesmo e o estado que corre. Curto-circuite a palavra, a palavra em si. Dela, diga uma presença, uma coisa. É fazer magia negra, dizer só: solidão, e fica por isso mesmo. Diga dela. Faça um verbete. Uma prosa para ela. Mas não diga, homem, não diga.

19/10/05

Ontem desci Santa T. no meio dum blecaute. O escuro descia tão veloz que eu quase achei que estava apaixonado de novo.

***

Nunca encontro tempo pra nada. Isso me deixa duas opções bem claras: morrer um zero à esquerda, ou simplesmente não morrer.

20/10/05

Um yuppie alcóolatra discute com sua mãe na mesa ao lado.

Ele não tinha as GÔNADAS que eu tenho. Não tinha os meus testículos.
(a mãe sussurra qualquer coisa, olha em torno, constrangida)
GAY, mãe, ele era GAY. Não era macho que nem – eu sou macho pra caralho, tenho muita testosterona no sangue, nem consigo me controlar”.

Eu te conheço há 34 anos, mãe, você é uma professorinha que nunca nem conseguiu administrar uma empregada”.

Lembra das aulas de português que tu me dava? A porrada COMIA, mãe. Mãe, tu se lembra do relógio digital que meu avô me deu? Tu se lembra da dificuldade que eu tive pra aprender a ver as horas? Então eu vou te recordar. Recordar é viver”.

Hoje é meu dia de folga, tô bem pra caralho. Minha terapia é ganhar dinheiro, muito dinheiro, é sair daqui”.

“Eu já absolvi toda a maldade que você me fez. Eu gosto muito da minha família, apesar de todos estarem me cortando. Eu vim aqui pra me divertir. Tá absolvido, tá absolvido, tá resolvido, tem um real trocado aí?
”.

Eu rezo todos os dias, sabe? De manhã e de noite”.

O mundo é mesmo um bueiro em vias de estourar.

21/10/05

C., 54 anos.

Eu sabia que estava grávida quando não conseguia tomar café. É que é a primeira coisa que eu faço de manhã, tomar uma xícara de café. Então toda vez que eu sentava e o café não descia, era batata: porra, tô grávida”.

22/10/05

Vejo Clarice, vejo Caio F., não sei se me enxergo.

03/11/05

Dinheiro, o mínimo de saúde física e mental.

Minha vida por chegar. A minha vida. Isso aqui é qualquer coisa com os outros.

07/11/05

“Roleta Chinesa”, Fassbinder.

18/11/05

Heartbreak não tem hífen.

07/12/05

Dezembro vai leve, longe do desespero do ano passado. Teria sido o suficiente pra desgraçar qualquer dezembro, mas esse até que não faz tanto peso, de modo que reconheço, isso aqui dependurado nas costas sou eu mesmo. Caso é que quero calmaria e só encontro tristeza.

09/12/05

Há de haver um nome de gritar quando nenhum outro sentimento é possível. Você me faz um disfarce. O álibi perfeito.

12/12/05

Ah, uma cabeça sobre os ombros certamente me botaria doido.

15/12/05

“... and all my pleasures are like yesterday”.
(John Donne)

Ei-lo Homem
não vazio
mas se esvaziando
coçar é uma arte
poucos têm unha o suficiente
para passar o dia inteiro vazando

26/12/05

Esperar por alguém – no meio da rua, começando a chover – é esperar por todo mundo. O diabo é a espera. É o elevador que não chega, o ônibus que não vem. E tem que ser sempre por alguma coisa.

Não gosto de escrever no meio da rua, pareço um espetáculo.

6/01/06

Jogo com Espelhos
(na frente do cinema Odeon)

Ele saca dum pequeno bloco vermelho. Na distância astigmática, diviso rabiscos pretos fortes. Ele tem feições portenhas. Deve se levar a sério como um velho tango – olhos azuis espremidos e tudo o mais. Antes ele estava esparramado sobre o banco verde. Agora todo cabelos ao vento, barba e sorriso como que traçados com pressa. Um vento forte varre a Cinelândia. É o primeiro dia de sol depois da virada, e a próxima sessão é “Os Amantes”, do Malle. Estou ficando emocionado.

15/01/06

Os olhos doem. Talvez eu abra uma janela.

Resgate


(10/01/06)

Tenho lido
Piva
acampado em cafés
depois do trabalho
e cães ladram para
Botafogo.

Aguardo a hora
de tomar o metrô
para ver meu amante
no último ponto
falar das coisas
que de dentro
dos cavos inócuos
do ser
nos aconselham o não-entendimento
(estas idéias intragáveis).

Há uma semana o ano
se consumia
em sarabandas
licorosas de fogos
de artifício
e umas tantas vezes me achei
doente e outras tantas
às vésperas dum degelo
e duma explosão de alegria
pura
ainda que não totalmente isenta de químicos.