domingo, 30 de novembro de 2008

Traduzindo Keats


Um troço bonito
é uma alegria pra vida.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Credo, II



"Ah, but don't go home with your hard-on
It will only drive you insane
You can't shake it (or break it) with your Motown
You can't melt it down in the rain".
(L. Cohen)

domingo, 23 de novembro de 2008

Tempos Difíceis


"Eu tinha fundado toda uma cosmovisão escorada na recusa terminante a ler os jornais do dia. “Se um homem ignora o Daily Times, o governo se ajoelhará a seus pés, pois nos dias de hoje esse é o único ato autêntico de traição”. Thoreau, “A Vida Sem Princípios”. Eu fazia grandes idéias da modéstia e da renúncia; ia bem com a escassez de minhas finanças fazer grandes idéias da modéstia e da renúncia. Uma existência frugal; pequenos furtos à cantina rendiam-me as refeições noturnas. Grande risco também em contemplar-me nu horas a fio no espelho do quarto, posto que a porta não trancava (a desfaçatez de meus locadores). Eu andava cheio dum amor positivamente franciscano por tudo que me rodeava. Eu refluía ao essencial, à prima matéria, a divindade em mim. Eu tinha um onanograma; meus hábitos masturbatórios observavam disciplina espartana; duas vezes por dia a intervalos regulares – eu fazia amor com o mundo."
(do conto "Tempos Difíceis")

sábado, 22 de novembro de 2008

Duplos


Estaca frente a um
prédio nas cercanias,
salta do segundo andar
voz de moça e anjo. "É
música clássica". Ah.
Depoimento sofrido da carteira
de identidade: Mérilin; as raízes
pretas aparecendo. Adicta
a drops de limão e Grapette,
morta do mesmo jeito, só
que muito tempo depois,
as mãos de vime enganchando
retrato do único homem a quem
sobremaneira amara:

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Richard Brautigan


Tentando traduzir Richard Brautigan:

O Amor Não é Jeito de Tratar Um Amigo


O Amor não é jeito de tratar um amigo.
Eu não desejaria isso a você. Não
quero ver seus olhos esquecidos
num dia de chuva, perdidos na bolsa infinita
daqueles que nada se lembram.

O Amor não é jeito de tratar um amigo,
não quero te ver terminando desse jeito
com seu corpo sendo despejado como mármore
ferido na arquitetura dos que constroem
pontes com pássaros aleijados.

O Amor não é jeito de tratar um amigo
Há coisas bem melhores na vida
que ver seus sentimentos vendidos
como lanternas mágicas a alguém cujo corpo
não dá luz.

e no original

Love's Not the Way to Treat a Friend

Love's not the way to treat a friend.
I wouldn't wish that on you. I don't
want to see your eyes forgotten
on a rainy day, lost in the endless purse
of those who can remember nothing.

Love's not the way to treat a friend.
I don't want to see you end up that way
with your body being poured like wounded
marble into the architecture of those who make
bridges out of crippled birds.

Love's not the way to treat a friend.
There are so many better things for you
than to see your feelings sold
as magic lanterns to somebody whose body
casts no light.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Um Fio


Muita coisa tomou claridade quando eu li os seguintes versos de "America" do Tio Ginsberg num ônibus aos 16 ou 17 anos de idade:

"Go fuck yourself with your atom bomb.
I don't feel good don't bother me.
I won't write my poem till I'm in my right mind."

Acabei de sacar que, mesmo sem me dar conta, torno a isso todo santo dia.

O Útil ao Agradável (Sete Linhas)


Há alguns meses me mudei para esse bairro que se chama Laranjeiras e fica longe e perto de tudo no Rio de Janeiro ao mesmo tempo. Não bastasse, a rua onde moro é como um principado no bairro já bastante próprio das Laranjeiras: a General Glicério, referida comumente por General, onde aos sábados, fazem música na praça e as gentes se conversam. É um lugar bonito, cheio de árvores, e emoldurado duma lógica toda própria. Um golfo de gente bem-apessoada de andar fácil e os rapazes estão sempre com instrumentos musicais a tiracolo. Escrevi um texto sobre isso, "Primeiras Impressões Sobre Um Bairro Novo". Mas não deu conta.

Desde então, andei entretendo a idéia dum "Diário de Estância". Cogitei um outro blog, alguma coisa que determinasse o quão paralelo o projeto de fato é. Cheguei a pensar se não seria esse o próximo livro. E seria mais ou menos assim: todos os dias, eu levaria meu escudeiro caderno até a praça e escreveria o que desse na veneta, torcendo para que aquilo de alguma forma se comunicasse com e comunicasse os arredores. Não sei explicar direito, mas é um lugar muito, muito próprio. O projeto já me veio epigrafado, até -- um verso do Pablo Araújo que nunca me saiu da cabeça, e é das coisas mais interessantes que já escutei: "Toda viagem é traição".

Pois, há coisa de alguns dias recebi convite do Sr. Visnadi para fazer parte do blog "Sete Linhas", e percebi que seria uma boa oportunidade de ensaiar o "Diário de Estância". Pensar a coisa praticando. Comecei hoje, e estou bastante empolgado a respeito. Daqui em diante, todas as quintas me abanco na praça com o escudeiro caderno e escrevo o que me chegar. Depois corro para casa, dou uma mexida aqui e acolá, e posto no blog. Gosto de pensar que é um exercício de soltura e possibilidade. Bainhas mal-feitas e tudo o mais. E tem aquele poema da Alice que volta e meia me chuta as canelas no meio da rua, o "Semínima": "Aqui, quase não temos lixo. A comida, vá lá, já tira a graça da coisa, mas lixo, lixo mesmo, bugiganga, isso a gente não joga fora."

É, é isso aí. Vamos revirando até encontrar alguma coisa.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Tabuleta


Isto é uma canção
de amor de cinema
de casa de despedir
-se de quebra de todos
os dias

Just in Time


"O carro me espera na portaria. Meu amante espera ao volante e parece calmo. Vamos a um barzinho na Glória onde um quarteto de jazz se apresenta semanalmente. A moça está cantando just in time, I found you just in time. Eu tomo rum e coca-cola e procuro evitar um coquetismo sem muita razão de ser. Mas é do horror, isso: vou me sentindo tão fria, a ponto de perceber minha própria pele escamosa debaixo do vestido de bolinhas. Peço licença, vou ao banheiro (ao toalete: fim do corredor, à esquerda). Fixo-me no espelho tempo que me parece bem longo. Arroubo de didatismo: quero mostrar ao mundo como se pára.

Pensa, Geórgia, pensa: isso é qualquer coisa com a cabeça, mas está muito longe de pensar. Deve haver um meio-termo, deve haver um meio, que seja, é preciso ser precisa, estratégica, certeira, e acima de tudo, calma, que tudo tem a sua ocasião própria e há um tempo para cada propósito debaixo do céu (sempre me acontece de lembrar passagens bíblicas em banheiros de bar). Estendo a corda-bamba da porta do reservado à mesa e vou, salto ante salto, um banquete de cosmopolitismo camicase. Sento, um sorriso que quero discreto, um olhar que quero afiado, um tipo que quero Grace Kelly, em suma, trato de iludir-me de um perfeito equilíbrio da forma.

Não posso deixar de notar a naturalidade com que meu amante se conduz, é possível que tenha experiência nessas sordidezas, mas isso não me concerne. E mais, e que difícil aceitar que: não me sinto nem um pouco sórdida. Não, absolutamente. Rebusco a garganta atrás de alguma amargura subliminar e nada e digo nada e quero dizer: porra nenhuma. Pra não dizer que não tento – insto a consciência a berrar em termos os mais grosseiros -- esse sujeito tem dona, esse homem fede ao mijo de outra.

Em pura perda.

Sou Grace Kelly.

Estou intensamente feliz. Janto com um homem levemente estrábico de belo perfil, tomo rum e coca-cola e a moça do quarteto de jazz canta just in time, I found you just in time.

Mas eis que ele resvala ao fim da noite; gagueja ao enunciar a palavra "motel". Interpreto isso como uma tentativa de me comunicar certa consciência de certo e de errado, sinto que ele quer me impressionar com esse lampejo de culpa. Intentando contornar maiores complicações, coloco a mão sobre a virilha de meu amante. Conjeturo introduzi-la em sua calça mas temo que ele perca a direção do automóvel".
(do conto "A Desatenção")

Ted Berrigan, II


Tentando traduzir outra do "Sonnets":

III
Mais forte que o álcool, mais grande que a canção,
fundo em cujos juncos grandes elefantes se deterioram,
Eu, uma ilha, navego, e minhas enseadas jogam
numa noite fragrante, referta de tristeza
ódio eriçado.
É verdade, eu choro demais. Amanheceres nascem
beijos lentos nas pálpebras do mar,
o que os outros vez em quando julgam ter visto.
E desde então estive me banhando no poema
erguendo suas flores sombreadas para mim,
e arrojadas por furacões a um lugar sem pássaros
as bandeiras despregadas, tampouco passo naus carcereiras
Ah deixa-me estourar, e estarei à deriva!
e caio de joelhos, moçamente.

e o original,

III
Stronger than alcohol, more great than song,
deep in whose reeds great elephants decay,
I, an island, sail, and my shores toss
on a fragrant evening, fraught with sadness
bristling hate.
It's true, I weep too much. Dawns break
slow kisses on the eyelids of the sea,
what other men sometimes have thought they've seen.
And since then I've been bathing in the poem
lifting her shadowy flowers up for me,
and hurled by hurricanes to a birdless place
the waving flags, nor pass by prison ships
O let me burst, and I be lost at sea!
and fall on my knees, womanly.

Ted Berrigan


Tentando traduzir Ted Berrigan:

II

Querida Margie, alô. São 5:15 da manhã.
querido Berrigan. Ele morreu
De volta aos livros. Leio
São 8:30 da noite em Nova Iorque e estive numa correria o dia inteiro
velhos vinde-ver-quens vadiam rua adentro. Sim, é agora
Quanto Mais Tempo Serei Capaz de Habitar o Divino
e o dia é cinza claro ficando verde
feminino esplendoroso e durão
vendo o sol se levantar sobre o Pátio da Marinha
para escrever corpo de durex no caderno
tomei 17 miligramas e meio
Querida Margie, alô. São 5:15 da manhã
fodi até às 7 agora ela está atrasada para o trabalho e eu tenho
18 anos então por que minhas mãos estão tremendo eu devia ser mais esperto

e o original,

II

Dear Margie, hello. It is 5:15 a.m.
dear Berrigan. He died
Back to books. I read
It's 8:30 p.m. in New York and I've been running around all day
old come-all-ye's streel into the streets. Yes, it is now,
How Much Longer Shall I Be Able To Inhabit The Divine
and the day is bright gray turning green
feminine marvelous and tough
watching the sun come up over the Navy Yard
to write scotch-tape body in a notebook
had 17 and 1/2 milligrams
Dear Margie, hello. It is 5:15 a.m.
fucked til 7 now she's late to work and I'm
18 so why are my hands shaking I should know better

Isso é do livro "The Sonnets". Siderante.

domingo, 16 de novembro de 2008

O Pôster de Vasarely: Um Mistério


para Isabela Mota

quadro. Olho pela janela do quarto
de Isabela e meu corpo é denso, deslocado
de um pé ao outro. Funda-se.
A xícara de café sobre o parapeito.

Pareço aplicado. A canção acaba há
horas, a canção se aplica, um visco
se pega aos lados da garganta é o que
te resta da canção. A meu lado
um violão de aspecto bronquítico
se escora contra uma quina. Uma quina
branca. Lá vão meus olhos atarraxados
na calçada mosaico imprestável.

Estamos a poucos metros. Uma coisa
chã. Uma coisa rés. Nesta pasta um pôster
de Vasarely cuidadosamente dobrado ao meio,
pelo qual agradeço, como de hábito,
um tanto derrapando-me. Isabela ruiva conta
que em dias nublados a Jeune Femme En Chemise
à porta de seu quarto como um
marimbondo se esverdeia um pouco mais &
em dias de sol a Jeune Femme En Chemise
à porta do quarto de Isabela como
um marimbondo alça o canto
oculto do lábio, sorri, talvez por ter
recebido boas novas de um médico
barbudo & monoculado. Isabela
ruiva me faz presente dum pôster
de Vasarely – é quarto novembro quente
calçada pasta café violão livros
abertos sobre a cama
de Isabela – não será este o poema
pelo qual esperei minha vida inteira?

Vamos sempre constatando
que nada rufou. Neste
entroncamento, um pôster de Vasarely
cuidadosamente dobrado ao meio. O que dizer,
minha irmã, por que dizê-lo?
Desdigamos. Não somos espiões.
Não há filme nesta câmara. Podemos supor
com alguma segurança que algo de muito
central acaba de nos acontecer,
enquanto você se ocupa em fazer
as malas – algo de muito central,
onde acidentamos – para logo depois
o telefone soar seu apito
de UTI, e uma voz metálica
nos passa uma senha e um endereço nos
arredores da cidade. Sim, talvez
seja este o poema que vim escrevendo
minha vida inteira

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Rafael ´James´ Monte


"Doris Day é o diabo que te carregue".
(Rafael 'James' Monte, "Marx Responde")

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Um Reencontro


peso em teu corpo um gosto
da tua leveza, grupo de festa,
carnê de baile, volta

de serpentina de outros carnavais,
afinal, eu me equivocara,
acabou a temporada do medo,

escusado tudo que não é
minha vida, você me vai
muito suave

Laura Nyro



"Well, I got a lot of patience, baby
That's a lot of patience to lose".
(Laura Nyro, "When I Was a Freeport & You Were The Main Drag")

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Para Ver Esses Retratos,


o olho,
concha
sem marulho

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Noite Larga na Arquibancada


segure
seus cadarços. Hoje à noite ninguém
se mata. Nenhum corpo calha
se estender sobre as telhas
desiguais. Nenhum vôo. Tudo
há de correr bem quieto, a hora
descomposta. Bom,
cá estamos, no meio da rua,
não há mais violinos em coisa
nenhuma, não estamos,
não estamos dançando?
Não estamos dançando? Segure
seus cadarços, ouviu
bem? Hoje à noite ninguém
se mata. Estaremos felizes,
inexatos, esgoelantes,
noite larga pela arquibancada,
sorri. Me abraça.
Pelo amor de Deus, olha
a droga do passarinho

Geraldão Lá!



domingo, 2 de novembro de 2008

O Primeiro Leitor



José Castello escreveu uma bonita reflexão sobre o "Synchronoscopio" lá no Prosa e Verso, d'o Globo. Um texto muito atento, muito disponível. Eu, daqui, só posso dizer como é bonito quando alguém não lê nem contra nem a favor: lê junto.

Grande momento, de verdade.