terça-feira, 9 de outubro de 2007

Inventário (Integral)



Tramas mais abaixo, encruzilhadas no Protex.
Ainda uns fios de cabelo metidos entre a fronha e o travesseiro de plumas de ganso.
Mealhas de barba que a gilete não quer largar.
Pro remate, a queimadura que seu cílio desgarrado fez na ponta do meu dedão, e seu desejo valsando das retinas, indo ter com as autoridades competentes.
Não sei ver as horas no relógio dele, é muito complicado. Derrubou vinho barato no meu Cortázar e eu devo ter achado aquilo poético, em alguma medida, por que senão. Senão o quê? Nada. Nada não: nada. Se é no mesmo silêncio que adoço meu café com as medidas dele, vaga lembrança de tomá-lo muito amargo no princípio, e com gosto, quase bravata. Era eu, suponho, subtraído a todas essas miudezas (a caneca dele inclusive). A dívida de uma coxinha com recheio de catupiri, contraída a Setembro do ano passado, me enfurece estupidamente de uma hora pra outra.
Esquece uma camisa aqui em Abril, meses depois ela ressurge, passe de mágica, das profundas do armário, um pouco descosturada onde a manga esquerda faz esquina com o resto. Falta um botão. Que é dizer: não bastam todas as faltas do mundo, não, de modo algum. Há ainda o penúltimo botão da camisa que ele esquece aqui em Abril, imprescindível que haja. Note-se, estou contando de cima para baixo (março, fevereiro...). Era noite de Ano Novo e ele pelado na frente da minha família toda, começou a pregar. Arrastei-o do parapeito até a porta (gosto, quase bravata) e haveria de ser pra nunca mais. Nunca mais, ouviu bem? Saldo: um maço de Marlboro, um pacote com três camisinhas, vinte contos. Grande, grande. Só não esquece a cabeça porque não tem mais.
Agora, adianta alguma coisa? Vamos, com toda sinceridade.
Se quando apago a luz do quarto, tudo que ele tocou se estrela, e eu passo a noite em claro tentando dar nome às constelações. Abril, maio, junho, desatinei de prosa e poesia: peguei mania de inventário. Há certa ciência do resto, de resto, pouco se me dá. Um dia eu vou ficar velho, cansado e parnasiano, e ele vai continuar perdendo vôos e me telefonando de madrugada, perguntando se tem lugar no meu sofá. Então, será um riachinho de baba na almofada muito branca, e três baganas enfileiradas na tábua corrida amanteigada de sol, uma manhã como outra qualquer. É outubro, novembro, dezembro, e o que me sobra: um par de cuecas azul-piscina, um desenho tosco dum menininho segurando a minguante por um cordão.

3 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

cuecas azul-piscina são um charme, caro oswald.
;)
osb. adorei.

Anônimo disse...

Ahhhhhh... O resto do texto que lá atrás esbarrei.
Não adiantaria nada, podes até odiá-lo um momento, mas amará odialo e voltará a amá-lo sem ódio novamente... talvez a liberdade de inserção o deixe assim. Queria um desses pra mim, são raros hoje em dia, nenhum é tão fiel: um desbravador, um corajoso, um bebado... uma "balada para um louco"!