domingo, 28 de outubro de 2007

Complicações Com Um Banco


Do oco de lá, caixote de vidro no meio da avenida, via as gentes passando rápido em oposição ao vento. Não importa a direção que tomavam, era sempre investir contra, atacando as pedras da calçada com pasmosa decisão, a polvorosa dos cabelos. Pareciam muito encontrados naquela indisposição de manhã fria. Excessivamente encontrados. Incomodamente encontrados. Sabiam as coisas e a operação das coisas, uma força sem guia nem mapa, só tração. Estranho mesmo eram as coisas (e a operação das coisas) não lhe parecerem de todo estrangeiras. Do oco de lá, silêncio zumbido que mais parecia máquina, até que eram bem familiares, com uma única diferença: estarem do avesso -- sinfonia taluda que alguma orquestra executasse de trás pra frente. Idem as instruções de uso, as letras ele conhece, mas as palavras que constroem não têm parte alguma em si. O que não encaixa, mas tem existência. O pensamento sempre favorecia o que não tinha encaixe, desfechava-se lá sem o mínimo pudor.
Agora um arranque da consciência e ele contrafigura experimentos com macacos: colocar o objeto quadrado na fôrma quadrada, o objeto oval na fôrma oval. A sinfonia de trás pra frente não encontra fôrma nenhuma, mas se acidenta, e ele torna a pensar em poesia. Do oco de lá, a sensação de ferragens. As gentes passando sem tanto mistério.
(do conto "Complicações com um Banco")

2 comentários:

Alice Sant'Anna disse...

os imbecis eu não conhecia, achei genial. tudo aqui é genial. e cadê o nosso mate?

um beijo

Anônimo disse...

Que oco de eco, de onde é o oco?